O cineasta Daniel Moreno desconstrói alguns clichês que definem sua
profissão. Não tem inclinações ideológicas à esquerda. Não usa óculos de
aro grosso, nem camisetas descoladas. Na contramão do cinema nacional,
não recorre a financiamento público em suas produções. Aos 40 anos,
formado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
Moreno inaugurou sua fase documental de forma um tanto controversa com
"Reparação" (2009), sobre a história de uma vítima das “vítimas da
ditadura”. “Reparação” reconstrói a saga do piloto Orlando Lovecchio
Filho, que teve parte da perna amputada por uma bomba colocada no
consulado dos Estados Unidos, em São Paulo. O autor do atentado,
Diógenes Carvalho de Oliveira, integrava um grupo de extrema esquerda
que combatia a ditadura militar, mais tarde anistiado por ter sido
prejudicado pela ditadura. Moreno escolheu um momento oportuno para o
lançamento do longa-metragem, quando entidades civis e militares
discutiam uma possível revisão da Lei da Anistia.
Seguindo a mesma lógica de produzir filmes inflamados para retratar as polêmicas da atualidade, Moreno lançará agora seu segundo documentário, “Silenciados”. Na esteira do debate em torno da maioridade penal, que no ano passado polarizou opiniões, seu novo longa conta o drama de vítimas de adolescentes menores de idade. “Silenciados” traz uma sequencia aterradora de depoimentos de famílias devastadas por crimes crueis, todos cometidos por jovens que, pela legislação atual, não podem ir para a prisão. O caso de maior repercussão é o assassinato de Victor Hugo Deppman, morto na porta de sua casa por causa de um celular. Na época o assaltante tinha 17 anos. Completou 18 anos três dias depois da tragédia.
O filme de Moreno conta um só lado da história. Não aborda outros aspectos, como argumentos de que os jovens infratores são vítimas de um contexto de desigualdade social. Com “Silenciados”, Moreno quer convencer os espectadores de que a proposta para reduzir a maioridade penal, hoje parada no Congresso, precisa avançar.
ÉPOCA – Como foi a decisão de fazer “Silenciados”?
Daniel Moreno – Os parentes das vítimas de violência são invisíveis para o cinema brasileiro. É muito mais comum ter um filme sobre a família do assassino do que sobre a vítima. Acho isso injusto. Como espectador, isso sempre me incomodou. Como realizador, decidir retratar essa realidade. Além disso, por que fazer um filme sobre mudança no código penal, sobre redução da maioridade? Porque é um tema com o qual o brasileiro está muito preocupado e, mais uma vez, o cinema não espelha, não reflete a preocupação do brasileiro que paga pelos filmes. Estou fazendo um documentário com o meu dinheiro, mas que espelha a visão dos brasileiros. Isso, na verdade, deveria estar sendo feito por quem usa dinheiro do governo. Essas mães e pais precisam falar. Eles não podem apenas ser manchete do jornal do dia e depois de uma semana ser esquecidos. É uma obrigação do cineasta ouvir essas pessoas.
ÉPOCA – Quantas famílias você ouviu para fazer “Silenciados”?
Moreno – Ouvi nove histórias, em detalhes, de mães e pais que perderam os filhos assassinados. Além de outros pais de forma menos detalhada.
ÉPOCA – Por que você não ouviu as famílias dos menores infratores? Mostrar o outro lado da história não enriqueceria a discussão?
Moreno – Tenho uma posição a respeito do tema, mas nem por isso deixei de ouvir as posições contrárias à minha. Fui atrás de representantes da Igreja Católica, de entidades contrárias à redução da maioridade penal. Se ouvir a história de uma mãe que teve a filha morta por um menor de idade, quero ouvir também a opinião de quem está dizendo que esse menor não pode responder. A Igreja Católica não quis gravar. A presidente da Fundação Casa também não. As ONG’s de direitos humanos não me receberam. A única entidade contrária à redução da maioridade penal que enviou um representante para falar comigo foi a Ordem dos Advogados do Brasil. Sempre somos cobrados desse contraponto, mas ninguém quis falar comigo.
ÉPOCA – Existe o risco de o filme ficar muito parcial?
Moreno – Fui atrás das pessoas e elas não quiseram me responder. Por que a imprensa e a crítica não fazem essa cobrança para as dezenas ou centenas de filmes que são feitos com dinheiro público? Há muitos altamente parciais. Depois que cobrarem deles, aí a gente conversa sobre isso. “Silenciados” é o primeiro documentário brasileiro que dá voz às vítimas dessa violência banal. Não se trata da violência da polícia. Nem do sem-terra que tomou um tiro porque invadiu um terreno. Estou falando do cara que morre no semáforo à toa.
ÉPOCA – Qual é sua posição pessoal a respeito da redução da maioridade penal?
Moreno – Todo crime deveria ser julgado por si próprio. Não pelo criminoso que o cometeu. É impossível saber se uma pessoa é psicologicamente ou intelectualmente capaz de reconhecer a gravidade do que ela está fazendo. Independentemente se um garoto tem 12 ou 17 anos, se ele comete um assassinato precisa responder pelo assassinato.
ÉPOCA – Nos seus documentários, você aborda temas delicados. Como o público reagiu até agora a eles?
Moreno – O público em geral, o brasileiro comum, vamos dizer assim, que não está inserido em uma discussão mais acadêmica ou mesmo política, esse responde bem aos temas “mais polêmicos”. Agora, o que eu chamaria de establishment cultural, o establishment universitário, ele tende a ignorar. A crítica cinematográfica também ignora. Ela, na verdade, faz parte desse establishment, ela tem uma identificação ideológica com esse cinema brasileiro que está aí há tanto tempo. Na época do “Reparação”, espalharam que eu tinha recebido dinheiro de militares, o que é ridículo. Eles nem quiseram falar comigo. Então é isso. Essas pessoas pensam que devem isolar o que é diferente, fingir que o diferente não existe. O público que me importa reage bem. Estou fazendo o “Silenciados” para o público, não para a crítica.
ÉPOCA – Você não tem medo de ser tachado de conservador ou reacionário por causa dos temas que aborda?
Moreno – Não me importo. Acho engraçado um cineasta ser chamado de comunista, todo mundo acha bonito. Morreram 200 milhões de pessoas por causa da ideologia da qual o cara se declara seguidor, e as pessoas acham bonito. O cinema nacional é um cinema de agenda. Uma agenda de esquerda. Se você não se encaixar nessa agenda de esquerda, você está fora. É assim que funciona. E por que as pessoas não falam isso? Porque talvez estejam com medo. Muita gente tem medo da “patrulha”. Pensam: se eu falar isso ou aquilo, não vou mais trabalhar, ninguém vai me contratar. Vi pessoas muito talentosas serem praticamente expulsas do meio porque a agenda delas não é a mesma de quem está aí.
Seguindo a mesma lógica de produzir filmes inflamados para retratar as polêmicas da atualidade, Moreno lançará agora seu segundo documentário, “Silenciados”. Na esteira do debate em torno da maioridade penal, que no ano passado polarizou opiniões, seu novo longa conta o drama de vítimas de adolescentes menores de idade. “Silenciados” traz uma sequencia aterradora de depoimentos de famílias devastadas por crimes crueis, todos cometidos por jovens que, pela legislação atual, não podem ir para a prisão. O caso de maior repercussão é o assassinato de Victor Hugo Deppman, morto na porta de sua casa por causa de um celular. Na época o assaltante tinha 17 anos. Completou 18 anos três dias depois da tragédia.
O filme de Moreno conta um só lado da história. Não aborda outros aspectos, como argumentos de que os jovens infratores são vítimas de um contexto de desigualdade social. Com “Silenciados”, Moreno quer convencer os espectadores de que a proposta para reduzir a maioridade penal, hoje parada no Congresso, precisa avançar.
ÉPOCA – Como foi a decisão de fazer “Silenciados”?
Daniel Moreno – Os parentes das vítimas de violência são invisíveis para o cinema brasileiro. É muito mais comum ter um filme sobre a família do assassino do que sobre a vítima. Acho isso injusto. Como espectador, isso sempre me incomodou. Como realizador, decidir retratar essa realidade. Além disso, por que fazer um filme sobre mudança no código penal, sobre redução da maioridade? Porque é um tema com o qual o brasileiro está muito preocupado e, mais uma vez, o cinema não espelha, não reflete a preocupação do brasileiro que paga pelos filmes. Estou fazendo um documentário com o meu dinheiro, mas que espelha a visão dos brasileiros. Isso, na verdade, deveria estar sendo feito por quem usa dinheiro do governo. Essas mães e pais precisam falar. Eles não podem apenas ser manchete do jornal do dia e depois de uma semana ser esquecidos. É uma obrigação do cineasta ouvir essas pessoas.
ÉPOCA – Quantas famílias você ouviu para fazer “Silenciados”?
Moreno – Ouvi nove histórias, em detalhes, de mães e pais que perderam os filhos assassinados. Além de outros pais de forma menos detalhada.
ÉPOCA – Por que você não ouviu as famílias dos menores infratores? Mostrar o outro lado da história não enriqueceria a discussão?
Moreno – Tenho uma posição a respeito do tema, mas nem por isso deixei de ouvir as posições contrárias à minha. Fui atrás de representantes da Igreja Católica, de entidades contrárias à redução da maioridade penal. Se ouvir a história de uma mãe que teve a filha morta por um menor de idade, quero ouvir também a opinião de quem está dizendo que esse menor não pode responder. A Igreja Católica não quis gravar. A presidente da Fundação Casa também não. As ONG’s de direitos humanos não me receberam. A única entidade contrária à redução da maioridade penal que enviou um representante para falar comigo foi a Ordem dos Advogados do Brasil. Sempre somos cobrados desse contraponto, mas ninguém quis falar comigo.
ÉPOCA – Existe o risco de o filme ficar muito parcial?
Moreno – Fui atrás das pessoas e elas não quiseram me responder. Por que a imprensa e a crítica não fazem essa cobrança para as dezenas ou centenas de filmes que são feitos com dinheiro público? Há muitos altamente parciais. Depois que cobrarem deles, aí a gente conversa sobre isso. “Silenciados” é o primeiro documentário brasileiro que dá voz às vítimas dessa violência banal. Não se trata da violência da polícia. Nem do sem-terra que tomou um tiro porque invadiu um terreno. Estou falando do cara que morre no semáforo à toa.
ÉPOCA – Qual é sua posição pessoal a respeito da redução da maioridade penal?
Moreno – Todo crime deveria ser julgado por si próprio. Não pelo criminoso que o cometeu. É impossível saber se uma pessoa é psicologicamente ou intelectualmente capaz de reconhecer a gravidade do que ela está fazendo. Independentemente se um garoto tem 12 ou 17 anos, se ele comete um assassinato precisa responder pelo assassinato.
ÉPOCA – Nos seus documentários, você aborda temas delicados. Como o público reagiu até agora a eles?
Moreno – O público em geral, o brasileiro comum, vamos dizer assim, que não está inserido em uma discussão mais acadêmica ou mesmo política, esse responde bem aos temas “mais polêmicos”. Agora, o que eu chamaria de establishment cultural, o establishment universitário, ele tende a ignorar. A crítica cinematográfica também ignora. Ela, na verdade, faz parte desse establishment, ela tem uma identificação ideológica com esse cinema brasileiro que está aí há tanto tempo. Na época do “Reparação”, espalharam que eu tinha recebido dinheiro de militares, o que é ridículo. Eles nem quiseram falar comigo. Então é isso. Essas pessoas pensam que devem isolar o que é diferente, fingir que o diferente não existe. O público que me importa reage bem. Estou fazendo o “Silenciados” para o público, não para a crítica.
ÉPOCA – Você não tem medo de ser tachado de conservador ou reacionário por causa dos temas que aborda?
Moreno – Não me importo. Acho engraçado um cineasta ser chamado de comunista, todo mundo acha bonito. Morreram 200 milhões de pessoas por causa da ideologia da qual o cara se declara seguidor, e as pessoas acham bonito. O cinema nacional é um cinema de agenda. Uma agenda de esquerda. Se você não se encaixar nessa agenda de esquerda, você está fora. É assim que funciona. E por que as pessoas não falam isso? Porque talvez estejam com medo. Muita gente tem medo da “patrulha”. Pensam: se eu falar isso ou aquilo, não vou mais trabalhar, ninguém vai me contratar. Vi pessoas muito talentosas serem praticamente expulsas do meio porque a agenda delas não é a mesma de quem está aí.
“O cinema nacional tem uma agenda de esquerda”, afirma Daniel Moreno - ÉPOCA | Vida
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