Temos
uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por angústias
existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o
matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas
solitárias, isoladas apesar de seu brilho.
A questão pode parecer uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por angústias
existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o
matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas
solitárias, isoladas apesar de seu brilho.
um assunto que atinge apenas alguns poucos privilegiados – mas os
conceitos e ideias por trás dessa impressão repercutem em quase todos
nós.
Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada a
melhorar a inteligência acadêmica. Apesar de suas limitações serem
conhecidas, o Quociente de Inteligência (QI) ainda é a principal maneira
de medir habilidades cognitivas. Cada vez mais gente gasta fortunas em
atividades de treinamento do cérebro para tentar melhorar sua pontuação.
Mas e se essa busca pela genialidade for uma tarefa para tolos?
As
primeiras respostas para esses questionamentos surgiram há quase um
século, no auge da Era do Jazz americana. Na época, o teste de QI
ganhava popularidade após ter se provado útil nos centros de
recrutamento de voluntários durante a Primeira Guerra Mundial.
Os altos e baixos de pequenos gênios
Em 1926, o psicólogo LewisTerman decidiu usar a prova para identificar e estudar um grupo de
crianças superdotadas. Ele selecionou 1,5 mil alunos da Califórnia com
QI maior que 140 – 80 deles com mais de 170 de QI. O grupo ficou
conhecido como os “Termites”, e os altos e baixos de suas vidas ainda
são estudados hoje em dia.
Como era de se esperar, muitos dos
Termites cresceram para fazer fama e fortuna. Nos anos 1950, eles
ganhavam um salário médio que correspondia ao dobro do de pessoas
“comuns”.
Mas, inesperadamente, muitas crianças no grupo de Terman
preferiram profissões menos glamorosas, como policial, marinheiro ou
datilógrafo. Os Termites também não foram particularmente mais felizes
do que o cidadão americano comum, com os níveis de divórcio, alcoolismo e
suicídio semelhantes ao da média da população do país.
A moral da
história é que, na melhor das hipóteses, um grande intelecto não faz
diferença em relação à sua satisfação com a vida. Na pior, ele pode
significar uma sensação maior de vazio.
Isso não quer dizer que
todo mundo com um QI alto seja um gênio torturado, como a cultura
popular nos faz crer. Mas ainda é assim, é algo intrigante. Por que os
benefícios de ter uma inteligência abençoada não aparecem a longo prazo?
Fardo pesado e preocupação excessiva
Uma possibilidade é a de que aconsciência de alguém sobre seus próprios talentos intelectuais tenha se
tornado uma carga pesada. De fato, nos anos 1990, quando alguns dos
Termites tinham quase 80 anos, eles olhavam para trás e, em vez de se
vangloriar de seus sucessos, diziam ter sido perseguidos pela sensação
de que não corresponderam ao que esperavam atingir quando jovens.
Essa
sensação de fardo – principalmente quando combinada com as expectativas
dos outros – é uma constante para muitas outras crianças superdotadas.
Um dos casos mais famosos – e tristes – é o da britânica Sufiah Yusof.
Admitida na prestigiada Universidade de Oxford aos 12 anos, ela
abandonou os estudos na área de Matemática antes de se formar e começou a
trabalhar como garçonete. Depois disso, tornou-se garota de programa e
ficou conhecida por recitar equações para os clientes durante o sexo.
Outra
reclamação comum é a de que pessoas mais inteligentes geralmente têm
uma visão mais clara sobre os problemas do mundo. Enquanto o resto de
nós se mantém distante das crises existenciais, os gênios perdem o sono
sofrendo pela condição humana e pelos erros dos outros.
A
preocupação constante, de fato, pode ser um sinal de inteligência – mas
não da maneira que os filósofos de poltrona imaginaram. Alexander
Penney, da MacEwan University, no Canadá entrevistou estudantes
universitários sobre vários tópicos e descobriu que aqueles com o QI
mais alto realmente se sentiam mais ansiosos.
Mas curiosamente, a
maioria das preocupações era banal e cotidiana. “Eles não se inquietavam
por coisas muito profundas, mas se preocupavam mais frequentemente
sobre mais coisas”, diz Penney. “Se algo ruim acontecia, eles passam
mais tempo pensando naquilo.”
Ao examinar com mais atenção, Penney
também descobriu que isso se relaciona com a inteligência verbal,
testada em jogos de palavras nos exames de QI. Ele acredita que uma
maior eloquência pode ajudar o indivíduo a verbalizar suas ansiedades e
remoer mais seus pensamentos. O que não é necessariamente uma
desvantagem. “Eles tendem a solucionar problemas mais rapidamente do que
a maioria das pessoas”, afirma.
Pontos ‘cegos’
Averdade nua e crua, no entanto, é que uma maior inteligência não
equivale a tomar decisões mais sábias. Na realidade, a situação pode até
tornar as decisões mais equivocadas.
Keith Stanovich, da
Universidade de Toronto, passou a última década preparando testes de
raciocínio e descobriu que decisões justas e independentes não estão nem
um pouco relacionadas ao QI.
Segundo ele, os indivíduos que se
saíam melhor em testes cognitivos padrão são na realidade um pouco mais
vulneráveis a terem um “ponto cego de predisposição”. Ou seja, eles têm
menos capacidade de enxergar seus próprios defeitos, mesmo quando são
capazes de criticar os pontos fracos dos outros.
Eles também
tendem a ser vítimas da “ilusão do apostador” – a ideia de que se uma
moeda cai indicando “cara” dez vezes, ela terá mais chances de cair em
“coroa” na 11ª vez.
Uma tendência a confiar mais nos instintos do
que no pensamento racional pode explicar porque um número surpreendente
de membros da associação britânica de superdotados Mensa acredita em
atividades paranormais. Ou por que alguém com um QI de 140 têm duas
vezes mais chances de estourar seu cartão de crédito.
Stanovich
enxerga esses vieses em todas as camadas da sociedade. “Existe muita
irracionalidade no mundo de hoje – pessoas fazendo coisas irracionais
apesar de terem uma inteligência mais que adequada”, afirma. “Essas
pessoas que ficam espalhando memes antivacinação para pais ou
disseminando erros de informação na Internet são em geral pessoas com
uma inteligência e uma educação acima da média.” Obviamente, pessoas
inteligentes podem ser perigosamente, e bobamente, enganadas.
O lado bom
Portanto,se a inteligência não leva a decisões racionais ou a uma vida melhor,
quais as suas vantagens? Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no
Canadá, acredita que temos que prestar mais atenção a um conceito
antiquado: a sabedoria.
Sua abordagem é mais científica do que
parece. “O conceito de sabedoria tem uma qualidade etérea”, admite. “Mas
se olharmos para a pura definição de sabedoria, muitos vão concordar
que se trata da ideia de alguém que pode fazer um julgamento bom e sem
amarras”.
Em um experimento, Grossmann apresentou a voluntários
vários dilemas sociais – que iam desde o que fazer sobre a guerra pela
Crimeia a crises que leitores descrevem em colunas de aconselhamentos
sentimentais de jornais.
Conforme os voluntários falavam, um painel de psicólogos julgava seus argumentos e sua tendência a uma ideia preconcebida.
Os
que mais pontuaram acabaram predizendo maior satisfação com a vida,
mais qualidade de relacionamento, e menos ansiedades e preocupações –
todas as qualidades que parecem faltar a pessoas enquadradas no conceito
clássico de inteligência.
Crucialmente, Grossmann descobriu que um alto QI não necessariamente significa maior sabedoria.
Aprender a saber
Nofuturo, empregadores podem começar a empregar testes como os de
Grossmann para examinar outras capacidades intelectuais em vez do QI. A
área de recursos humanos do Google, por exemplo, já anunciou que planeja
avaliar candidatos com base em qualidades como “humildade intelectual”,
em fez de pura proeza cognitiva.
Felizmente, a sabedoria pode vir
do treino, segundo Grossmann. Ele ressalta que nós normalmente temos
mais facilidade em deixar para trás nossas predisposições quando levamos
outras pessoas em consideração em vez de nós mesmo.
Com isso, ele
descobriu que simplesmente falar sobre seus problemas na terceira
pessoa (“ele” ou “ela” em vez de “eu”) ajuda a criar a distância
emocional necessária, diminuindo preconceitos e levando a argumentos
mais sábios. Novos estudos devem gerar novos truques semelhantes.
O
desafio vai fazer com que as pessoas admitam seus próprios defeitos.
Mesmo se você conseguiu repousar sobre os louros da sua inteligência
durante toda a vida, pode ser muito difícil aceitar que ela vem
atrapalhando seu julgamento. Como disse o filósofo Sócrates, “o sábio é
aquele que pode admitir que não sabe nada”.
O surpreendente lado ruim de ser inteligente - BBC Brasil
thanks a lot!
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