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Coisas do outro mundo








1. No momento da morte de Steve Jobs, lembro-me de ler um obituário em que a Apple era tratada como uma igreja. Isso era visível nas pequenas coisas –o símbolo da empresa, por exemplo– e nas grandes coisas –as aparições do homem sempre que havia uma boa nova para anunciar aos fiéis. 

Sobre o símbolo, a metáfora da maçã trincada é óbvia: Jobs apresentava-se como o paladino do conhecimento –e o conhecimento humano só começou quando Adão não quis desiludir a sua amada, comendo o fruto proibido.

E sobre as aparições, enfim, será preciso recordá-las? Jobs, em ambiente escurecido, com uma luz celestial sobre a cabeça, falando do palanque como um pastor fala ao seu rebanho.

Pois bem: foi-se Steve Jobs, mas as encenações sacras continuam. E os últimos dias foram dominados por um novo iPhone que mereceu as atenções da mídia. Disse "iPhone"?

Peço desculpa pela falta de respeito. A forma como o novo brinquedo foi apresentado, testado, comentado e comparado não é coisa racional; é um fenômeno transcendental, como se alguém tivesse descoberto a relíquia de um santo, prometendo milagres que a humanidade jamais experimentou. 

Enganam-se os que pensam que o declínio das religiões tradicionais no Ocidente libertou os homens de qualquer crença.

A reverência do mundo pelos produtos da Apple é um exemplo de adoração infantil que reproduz, em tom pícaro, a peregrinação dos crentes aos lugares sagrados.



Folha de S. PauloCoutinho 
em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2014/09/1516260-coisas-do-outro-mundo.shtml

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