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A ortodoxia ateísta que me trouxe à fé

Megan  Hodder era uma jovem e ávida leitora do neoateísmo, mas sua vida mudou
quando ela leu o trabalho dos seus inimigos católicos

Cena do filme da vida de Edith Stein, do ateísmo para os altares.Na última Páscoa, quando eu estava começando a explorar a
possibilidade de que deveria haver algo a mais na fé católica, além do
que eu tinha acreditado e sido levada a crer, eu li "Cartas a um jovem
católico", de George Weigel01. Uma passagem em particular chamou-me a atenção.




Falando dos milagres do Novo Testamento e do significado de fé, Weigel escreve: "No  jeito católico de ver as coisas, andar sobre as águas é algo totalmente sensato a se fazer. Ficar no barco, atendo-se tenazmente às nossas  pequenas comodidades, é loucura."


Nos meses seguintes, aquela vida fora do barco – a vida da fé – começou a fazer bastante sentido para mim, a ponto de eu não poder mais justificar ficar parada. No último fim de semana eu fui batizada e
confirmada na Igreja Católica.


Megan Hodder


É claro, isso não deveria acontecer. Fé é algo que a minha geração não considera, mas deixa de lado e ignora. Eu cresci sem nenhuma religião e tinha oito anos quando aconteceu o atentado de 11 de
setembro. A religião era irrelevante na minha vida pessoal e, durante meus anos na escola, a religião só proporcionava um fundo de notícias de violência e extremismo. Eu lia avidamente Dawkins, Harris e Hitchens, cujas ideias eram tão parecidas com as minhas que eu empurrava quaisquer
dúvidas para o fundo da minha mente. Afinal, qual alternativa existia para o ateísmo?


Como uma adolescente, eu percebi que precisava ler além dos meus polemistas favoritos, como começar a pesquisar as ideias dos mais egrégios inimigos da razão, os católicos, a fim de defender com mais propriedade minha visão de mundo. Foi aqui, ironicamente, que os problemas começaram.


Eu comecei lendo o discurso do Papa Bento XVI em Ratisbona, ciente de  que tinha gerado controvérsia na ocasião e era uma espécie de tentativa – fútil, é claro – de reconciliar fé e razão. Também li o menor livro de sua autoria que pude encontrar, On Conscience02. Eu esperava – e  desejava – achar preconceitos e irracionalidade para sustentar meu ateísmo. Ao contrário, fui colocada diante de um Deus que era o Logos; não um  ditador sobrenatural esmagador da razão humana, mas o parâmetro de  bondade e verdade objetiva que se expressa a Si mesmo e para o qual  nossa razão se dirige e no qual ela se completa, uma entidade que não  controla nossa moral roboticamente, mas que é a fonte de nossa percepção moral, uma percepção que requer desenvolvimento e formação por meio do  exercício consciente do livre-arbítrio.


Era uma percepção da fé mais humana, sutil e fiável do que eu esperava. Não me conduziu a uma epifania espiritual dramática, mas animou-me a buscar mais no catolicismo, a reexaminar com um olhar mais crítico alguns dos problemas que tinha com o ateísmo.


Primeiro, moralidade. Para mim, uma moralidade ateísta conduzia a duas áreas igualmente problemáticas: ou era subjetiva a ponto de ser insignificante ou, quando seguida racionalmente, implicava resultados intuitivamente repulsivos, como a postura de Sam Harris sobre a tortura.
Mas as mais atraentes teorias que poderiam contornar esses problemas, como a ética das virtudes, geralmente o faziam a partir da existência de Deus. Antes, com minha compreensão caricata de teísmo, eu acharia isso absurdo. Agora, com o discernimento mais profundo que eu tinha começado a
desenvolver, eu não tinha tanta certeza.

Depois, metafísica. Eu percebi rapidamente que confiar nos  neoateístas para argumentar contra a existência de Deus era um erro:  Dawkins, por exemplo, dá um tratamento dissimuladamente superficial a  Tomás de Aquino em "Deus, um delírio", abordando apenas o resumo das  cinco vias de São Tomás – e distorcendo as provas resumidas, para  variar. Informando-me melhor sobre as ideias aristotélico-tomistas, eu as considerei uma explanação bastante válida do mundo natural, contra a qual os filósofos ateístas não tinham conseguido fazer um ataque coerente.


O que eu ainda não entendia era como uma teologia que operava em harmonia com a razão humana poderia ser, ao mesmo tempo, nas palavras de Bento XVI, "uma teologia fundamentada na fé bíblica". Eu sempre supus que a sola scriptura, com suas evidentes falácias e deficiências, era a
maneira segundo a qual todos cristãos firmes e fiéis liam a Bíblia. Então eu fiquei surpresa ao descobrir que esta visão poderia ser refutada com veemência tanto pelo ponto de vista católico – lendo a Bíblia através da Igreja e de sua história, à luz da Tradição – como pelo ateu.


Eu procurei por absurdos e inconsistências na fé católica que pudessem descarrilhar minhas ideias da inquietante conclusão à qual eu me dirigia, mas o irritante do catolicismo é sua coerência: uma vez que você aceita a estrutura básica de conceitos, todas as outras coisas se ajustam com uma rapidez incrível. "Os mistérios cristãos são um todo indivisível", escreveu Edith Stein em "A ciência da cruz"03. "Se entramos em um, somos levados a todos os outros". A beleza e autenticidade até das mais aparentemente difíceis partes do catolicismo, como a moral sexual, se tornaram claras quando não eram mais vistas como uma lista descontextualizada de proibições, mas como componentes
essenciais no corpo complexo do ensinamento da Igreja.

Havia um último problema, porém: minha falta de familiaridade com a fé como algo vivido. Para mim, toda a prática e a língua da religião – oração, hinos, Missa – eram algo totalmente estranho, em direção ao qual eu relutava em dar o primeiro passo.


Minhas amizades com católicos praticantes finalmente convenceram-me que eu tinha que fazer uma decisão. Fé, no fim das contas, não é meramente um exercício intelectual, um assentimento a certas
proposições; é um radical ato da vontade, que engendra uma mudança total da pessoa. Os livros levaram-me a ver o catolicismo como uma conjectura plausível, mas o catolicismo como uma verdade viva eu só entendi  observando aqueles que já serviam a Igreja por meio da vida da graça.


Eu cresci numa cultura que tem amplamente virado as costas para a fé.  Por isso eu era capaz de levar minha vida adiante com meu ateísmo mal concebido e incontestado, e isso explica pelo menos parcialmente a grande extensão de apoio popular que têm os neoateístas: para  cada ateu ponderado e bem informado, existirão outros com nenhuma  experiência pessoal de religião e nenhum interesse em argumentar  simplesmente indo na onda da maré cultural.


No entanto, à medida que a popularidade do ateísmo beligerente e pretensamente "sabe-tudo" for decaindo, cristãos sérios capazes de explicar e defender sua fé se tornarão uma presença cada vez mais vital na esfera pública. Eu espero que eu seja um pequeno exemplo da força de atração que o catolicismo ainda carrega em uma época que lhe parece às vezes irascivelmente oposta.






Fonte: The Catholic Herald | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere


fonte: A ortodoxia ateísta que me trouxe à fé - padrepauloricardo.org

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