Em entrevista ao Correio, músico relata o ocorrido como uma experiência muito dolorosa
Foto: Divulgação
André Mehmari fez um desabafo na internet sobre a experiência, que considerou dolorosa
Em entrevista por telefone ao Correio, o pianista relata o ocorrido como uma experiência muito dolorosa. “Fiquei profundamente chateado com os xingamentos vazios e irracionais, pois eu nem tinha começado a tocar. Ali do palco, não vi ninguém intervindo quanto a isso. Talvez fosse preciso um preparo melhor desses jovens e turmas menores também. Me parecia que haviam poucos professores e monitores para tantos alunos. Quero deixar claro que não é uma crítica ao projeto, muito pelo contrário, acho pertinente e de suma importância. O primeiro dia (9 de maio) foi muito bom e fiquei muito contente de ter sido chamado para participar novamente, porém, o resultado foi uma experiência muito dolorosa.”
A Prefeitura de Campinas, apoiadora do projeto, tomou ciência do ocorrido por meio da reportagem na manhã de ontem, porém, a secretária de Educação, Solange Villon Kohn Pelicer, preferiu não se manisfestar, justificando que os alunos envolvidos são da rede estadual e, portanto, não são de responsabilidade do município. Por meio da assessoria de imprensa, comunicou que isso serve de alerta, porém a Educação faz toda a orientação necessária.
O secretário de Cultura de Campinas, Ney Carrasco, pasta responsável pelo teatro, prometeu se inteirar melhor do fato. “Em princípio, posso dizer que André Mehmari é um grande pianista que merece o reconhecimento de todos. E o projeto também é muito bonito. Se houve alguma atitude deselegante foi por parte dos alunos e isso precisa ser trabalhado. É preciso ressaltar que as escolas e seus profissionais envolvidos precisam estar devidamente preparados para orientar seus alunos, uma vez que ir ao teatro e ouvir um recital de piano não é algo comum para eles. Triste saber que isso aconteceu”, diz.
E essa não foi a única reação desagradável por parte dos jovens. Segundo o assessor de projetos educacionais e culturais da Prefeitura, Alexandre Sônego, outros dias de apresentação — foram oito apresentações entre abril e maio — tiveram reações nada elegantes por parte dos alunos. “No primeiro dia (tema lírico), eles riam alto. Me incomodou muito e acredito que justamente por isso temos de levar mais atividades culturais a esses jovens, afim de que não causem o estranhamento que provoca reações como essa. Foi um diagnóstico dos nossos alunos, pois, independentemente de serem da rede estadual, são de Campinas”, disse, frisando que o retorno após as apresentações sempre foi positivo.
Produtora
A produtora RVA Cultural, responsável pelas apresentações, foi procurada para falar sobre o assunto e informou que os quatro profissionais da empresa que estavam no Castro Mendes na data não perceberam o ocorrido por estarem na coxia, e que só tomaram conhecimento do fato após o relato de André Mehmari ao término da apresentação. Questionada sobre quais eram as escolas presentes no dia, a produtora disse que não seria possível fornecer os dados ontem, apenas na semana que vem.
O projeto Ouvir para Crescer é de iniciativa da Cultura Artística em parceria com a RVA Cultural, com apoio da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), como parte do programa Cultura é Currículo, e da Prefeitura Municipal de Campinas, por meio da Secretaria Municipal de Cultura.
Desabafo apela ao bom-sendo dos pais
Em seu perfil no Facebook*, André Mehmari fez um desabafo delicado sobre o ocorrido, sem citar a cidade e apelando ao bom-senso dos pais, que delegam à escola a educação dos filhos. Leia abaixo:
“Há uns dias participei como convidado especial de um projeto musical educacional, para jovens de escolas públicas, de 10-12 anos, aqui perto de SP. Levaram uma ótima banda, fizeram um roteiro bem bolado e caprichado com atores de primeira... e na segunda parte, a pedido da produção, entrei no palco, feliz da vida para falar de Nazareth e anunciar as canções que se seguiriam. Ao som de berros e injustificáveis vaias irracionais, ouvi toda sorte de grosseria: sai daí filho da p___! Vai tomar no Vai se ___! Fiquei um tanto cabisbaixo, mas segui quase firme e com muito orgulho falei um pouco dessa Música. Acompanhado por um super músico amigo, o percussionista e compositor Caito Marcondes, toquei desconcentrado e ainda estupefato uma suíte de maxixes Nazarethianos abraçando uma ária de ópera... É, eu queria falar pra eles dessa coisa bonita da Música, de não ter fronteiras, a não ser na cabeça de medíocres e preconceituosos. Mas a fronteira ali estava tão antes de qualquer pensamento, de qualquer diálogo ...tudo tão aquém de qualquer desenvolvimento, que abaixei a cabeça e levei mecanicamente a apresentação até o final, acreditando que se tocasse para um único par de ouvidos férteis naquela platéia de 600 jovens pessoas, já teria valido meu esforço, minha confiança na vida. Sei bem que educação é sempre desafio, e que o Brasil encontra-se muito longe de ter estrutura e pessoal adequado. Meu apelo aqui fica para os pais, que acreditam que a educação de um filho de dá na escola. Ela de dá principalmente em casa, neste nível fundamental da formação do caráter de um ser humano. Não coloquem filhos no mundo se não estão aptos e dispostos a dar uma formação cuidadosa e apaixonada a esses novos seres. E estou farto desse discurso politicamente soft-new-age-correto e praticamente inefetivo, de aceitar tudo e botar panos quentes em tudo que um jovem faz e diz: acredito que ele tem consciência de seus atos e cabe aos mais experientes apontar problemas, olhar essa turma como nossos semelhantes que em poucos anos estarão ocupando importantes cargos e funções. Educação é invariavelmente feita com amor e dedicação e essas são responsabilidades primordiais dos pais, depois da escola e da experiência. De qualquer maneira agradeço a oportunidade de tocar para esses jovens, mesmo tendo sofrido agressões que me ofenderam. Sei que aqueles que ouviram saberão me agradecer no futuro. E estarei plenamente recompensado e tranquilo!”
(*)Declaração postada no dia 25 de maio
SAIBA MAIS
André Mehmari é autor de composições e arranjos para algumas das formações orquestrais e de câmera mais expressivas do País, como Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), Quinteto Villa-Lobos, Orquestra Sinfônica de Brasília (OSB), Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, entre outros. Como instrumentista, já atuou em importantes festivais brasileiros como Chivas, Heineken, Tim Festival, e no Exterior, como Spoleto USA e Blue Note Tokyo. A discografia reúne oito CDs solo. Recebeu duas vezes o Prêmio Nascente (USP-Editora Abril), na categoria Música Popular-Composição, com os temas De Sol a Sole Capim Seco (1995), e na categoria Música Erudita-Composição, com Cinco Peças para Quatro Clarinetes e Piano (1997). No ano seguinte, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Visa de MPB Instrumental. Com a composição Omaggio a Berio, baseada na música do compositor italiano Claudio Monteverdi (1567-1643), venceu o concurso nacional de composição Camargo Guarnieri (2003), promovido pela Orquestra Sinfônica da USP. Em duo com Ná Ozzetti, lançou Piano e Voz, considerado pela crítica uma obra-prima e vencedor do prêmio Carlos Gomes de música erudita brasileira na categoria revelação do ano. Em 2007, lançou Contínua Amizade (vencedor do Prêmio Rival/Petrobras na categoria instrumental) e Gismontipascoal (Prêmio da Música Brasileira). Com o álbum Nonada (2008), foi indicado ao Grammy Latino.
http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/05/entretenimento/64821-pianista-e-hostilizado-por-estudantes-em-campinas.html
Comentários
Postar um comentário