Por David Gueiros Vieira*
O Método Laubach de alfabetização de adultos foi criado
pelo missionário protestante norte-americano Frank Charles Laubach
(1884-1970). Desenvolvido por Laubach nas Filipinas, em 1915,
subseqüentemente foi utilizado com grande sucesso em toda a Ásia e em
várias partes da América Latina, durante quase todo o século XX.
Em 1915, Frank Laubach fora enviado por uma missão
religiosa à ilha de Mindanao, nas Filipinas, então sob o domínio
norte-americano, desde o final da guerra EUA/Espanha. A dominação
espanhola deixara à população filipina uma herança de analfabetismo
total, bem como de ódio aos estrangeiros.
A população moura filipina era analfabeta, exceto os
sacerdotes islamitas, que sabiam ler árabe e podiam ler o Alcorão. A
língua maranao (falada pelos mouros) nunca fora escrita. Laubach
enfrentava, nessa sua missão, um problema duplo: como criar uma língua
escrita, e como ensinar essa escrita aos filipinos, para que esses
pudessem ler a Bíblia. A existência de 17 dialetos distintos, naquele
arquipélago, dificultava ainda mais a tarefa em meta.
Com o auxílio de um educador filipino, Donato Gália,
Laubach adaptou o alfabeto inglês ao dialeto mouro. Em seguida adaptou
um antigo método de ensino norte-americano, de reconhecimento das
palavras escritas por meio de retratos de objetos familiares do
dia-a-dia da vida do aluno, para ensinar a leitura da nova língua
escrita. A letra inicial do nome do objeto recebia uma ênfase especial,
de modo que aluno passava a reconhecê-la em outras situações, passando
então a juntar as letras e a formar palavras.
Utilizando essa metodologia, Laubach trabalhou por 30
anos nas Filipinas e em todo o sul da Ásia. Conseguiu alfabetizar 60% da
população filipina, utilizando essa mesma metodologia. Nas Filipinas, e
em toda a Ásia, um grupo de educadores, comandado pelo próprio Laubach,
criou grafias para 225 línguas, até então não escritas. A leitura
dessas línguas era lecionada pelo método de aprendizagem acima descrito.
Nesse período de tempo, esse mesmo trabalho foi levado do sul da Ásia
para a China, Egito, Síria, Turquia, África e até mesmo União Soviética.
Maiores detalhes da vida e trabalho de Laubach podem ser lidos na
Internet, no site Frank Laubach.
Na América Latina, o método Laubach foi primeiro
introduzido no período da 2ª Guerra Mundial, quando o criador do mesmo
se viu proibido de retornar à Ásia, por causa da guerra no Pacífico. No
Brasil, este foi introduzido pelo próprio Laubach, em 1943, a pedido do
governo brasileiro. Naquele ano, esse educador veio ao Brasil a fim de
explicar sua metodologia, como já fizera em vários outros países
latino-americanos.
"As cartilhas de Laubach foram copiadas pelos marxistas em Pernambuco, dando ênfase à luta de classes. O autor dessas outras cartilhas era Paulo Freire, que emprestou seu nome à "nova metodologia" como se a ela fosse de sua autoria"
Lembro-me bem dessa visita, pois, ainda que fosse muito
jovem, cursando o terceiro ano Ginasial, todos nós estudantes sabíamos
que o analfabetismo no Brasil ainda beirava a casa dos 76% - o que muito
nos envergonhava - e que este era o maior empecilho ao desenvolvimento
do país.
A visita de Laubach a Pernambuco causou grande
repercussão nos meios estudantis. Ele ministrou inúmeras palestras nas
escolas e faculdades — não havia ainda uma universidade em Pernambuco — e
conduziu debates no Teatro Santa Isabel. Refiro-me apenas a Pernambuco e
ao Recife, pois meus conhecimentos dos eventos naquela época não iam
muito além do local onde residia.
Houve também farta distribuição de cartilhas do Método
Laubach, em espanhol, pois a versão portuguesa ainda não estava pronta.
Nessa época, a revistaSeleções do Readers Digestpublicou um artigo sobre
Laubach e seu método — muito lido e comentado por todos os brasileiros
de então, que, em virtude da guerra, tinham aquela revista como único
contato literário com o mundo exterior.
Naquele ano, de 1943, o Sr. Paulo Freire já era diretor
do Sesi, de Pernambuco — assim ele afirma em sua autobiografia —
encarregado dos programas de educação daquela entidade. No entanto,
nessa mesma autobiografia, ele jamais confessa ter tomado conhecimento
da visita do educador Laubach a Pernambuco. Ora, ignorar tal visita
seria uma impossibilidade, considerando-se o tratamento VIP que fora
dado àquele educador norte-americano, pelas autoridades brasileiras, bem
como pela imprensa e pelo rádio, não havendo ainda televisão.
Concomitante e subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas
semelhantes às de Laubach, porém com teor filosófico totalmente
diferente. As de Laubach, de cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à
paz social, à ética pessoal, ao cristianismo e à existência de Deus. As
novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia, davam ênfase à luta de
classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a
conscientização das massas à sua "condição de oprimidas". O autor dessas
outras cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que
emprestou seu nome à essa "nova metodologia" — da utilização de retratos
e palavras na alfabetização de adultos — como se a mesma fosse da sua
autoria.
Tais cartilhas foram de imediato adotadas pelo movimento
estudantil marxista, para a promulgação da revolução entre as massas
analfabetas. A artimanha do Sr. Paulo Freire "pegou", e esse método é
hoje chamado Método Paulo Freire, tendo o mesmo sido apadrinhado por
toda a esquerda, nacional e internacional, inclusive pela ONU.
No entanto, o método Laubach — o autêntico — fora de
início utilizado com grande sucesso em Pernambuco, na alfabetização de
30.000 pessoas da favela chamada "Brasília Teimosa", bem como em outras
favelas do Recife, em um programa educacional conduzido pelo Colégio
Presbiteriano Agnes Erskine, daquela cidade. Os professores eram todos
voluntários. Essa foi a famosa Cruzada ABC, que empolgou muita gente,
não apenas nas favelas, mas também na cidade do Recife, e em todo o
Estado. Esse esforço educacional é descrito em seus menores detalhes por
Jules Spach, no seu recente livro, intitulado,Todos os Caminhos
Conduzem ao Lar(2000).
"A 'bolsa-escola' de Cristovam Buarque não é novidade. Foi adotada há décadas por discípulos de Laubach e criticada pela esquerda na época. A bolsa-escola já era defendida por Antônio Almeida, um educador do século XIX."
O Método Laubach foi também introduzido em Cuba, em
1960, em uma escola normal em Bágamos. Essa escola pretendia preparar
professores para a alfabetização de adultos. No entanto, logo que Fidel
Castro assumiu o controle total do poder em Cuba, naquele mesmo ano,
todas as escolas foram nacionalizadas, inclusive a escola normal de
Bágamos. Seus professores foram acusados de "subversão", e tiveram de
fugir, indo refugiar-se em Costa Rica, onde continuaram seu trabalho, na
propagação do Método Laubach, criando então um programa de
alfabetização de adultos, chamado Alfalit.
A organização Alfalit foi introduzida no Brasil, e
reconhecida pelo governo brasileiro como programa válido de
alfabetização de adultos. Encontra-se hoje na maioria dos Estados: Santa
Catarina (1994), Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Sergipe, São
Paulo, Paraná, Paraíba e Rondônia (1997); Maranhão, Pará, Piauí e
Roraima (1998); Pernambuco e Bahia (1999).
A oposição ao Método Laubach ocorreu desde a introdução
do mesmo, em Pernambuco, no final da década de 1950. Houve tremenda
oposição da esquerda ao mencionado programa da Cruzada ABC, em
Pernambuco, especialmente porque o mesmo não conduzia à luta de classes,
como ocorria nas cartilhas plagiadas do Sr. Paulo Freire. Mais ainda,
dizia-se que o programa ABC estava "cooptando" o povo, comprando seu
apoio com comida, e que era apenas mais um programa "imperialista", que
tinha em meta unicamente "dominar o povo brasileiro".
Como a fome era muito grande na Brasília Teimosa, os
dirigentes da Cruzada ABC, como maneira de atrair um maior número de
alunos para o mesmo, se propuseram criar uma espécie de "bolsa-escola"
de mantimentos. Era uma cesta básica, doada a todos aqueles que se
mantivessem na escola, sem nenhuma falta durante todo o mês. Essa
bolsa-escola tornou-se famosa no Recife, e muitos tentavam se candidatar
a ela, sem serem analfabetos ou mesmo pertencentes à comunidade da
Brasília Teimosa. Bolsa-escola fora algo proposto desde os dias do
Império, conforme pode-se conferir no livro de um educador do século
XIX, Antônio Almeida, intituladoO Ensino Público, reeditado em 2003 pelo
Senado Federal, com uma introdução escrita por este Autor.
No entanto, a idéia da bolsa-escola foi ressuscitada
pelo senhor Cristovam Buarque, quando governador de Brasília. Este
senhor, que é pernambucano, fora estudante no Recife nos dias da Cruzada
ABC, tão atacada pelos seus correligionários de esquerda. Para a
esquerda recifense, doar bolsa-escola de mantimentos era equivalente a
"cooptar" o povo. Em Brasília, como "idéia genial do Sr. Cristovam
Buarque", esta é hoje abençoada pela Unesco, espalhada por todo o mundo e
não deixa de ser o conceito por trás do programa Fome Zero, do ilustre
Presidente Lula.
O sucesso da campanha ABC — que incluía o Método Laubach
e a bolsa-escola — foi extraordinário, sendo mais tarde encampado pelo
governo militar, sob o nome de Mobral. Sua filosofia, no entanto, foi
modificada pelos militares: os professores eram pagos e não mais
voluntários, e a bolsa-escola de alimentos não mais adotada. Este novo
programa, por razões óbvias, não foi tão bem-sucedido quanto a antiga
Cruzada ABC, que utilizava o Método Laubach.
A maior acusação à Cruzada ABC, que se ouvia da parte da
esquerda pernambucana, era que o Método Laubach era "amigo da
ignorância" — ou seja, não estava ligado à teoria marxista, falhavam em
esclarecer seus detratores — e que conduzia a "um analfabetismo maior",
ou seja, ignorava a promoção da luta de classes, e defendia a harmonia
social. Recentemente, foi-me relatado que o auxílio doado pelo MEC a
pelo menos um programa de alfabetização no Rio de Janeiro — que utiliza o
Método Laubach, em vez do chamado "Método Paulo Freire" — foi cortado,
sob a mesma alegação: que o Método Laubach estaria "produzindo o
analfabetismo" no Rio de Janeiro. Em face da recusa dos diretores do
programa carioca, de modificarem o método utilizado, o auxílio
financeiro do MEC foi simplesmente cortado.
Não há dúvida que a luta contra o analfabetismo, em todo
o mundo, encontrou seu instrumento mais efetivo no Método Laubach.
Ainda que esse método hoje tenha sido encampado sob o nome do Sr. Paulo
Freire. Os que assim procederam não apenas mudaram o seu nome, mas
também o desvirtuaram, modificando inclusive sua orientação filosófica.
Concluindo: o método de alfabetização de adultos, criado por Frank
Laubach, em 1915, passou a ser chamado de "Método Paulo Freire", em
terras tupiniquins. De tal maneira foi bem-sucedido esse embuste, que
hoje será quase que impossível desfazê-lo.
(*)O autor é historiador. Artigo copiado de http://paraibarama.blogspot.com/2008/12/mtodo-paulo-freire-ou-mtodo-laubach.html, em 01.02.2011, e publicado originalmente em Mídia Sem Máscara, em 9 março de 2004.
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SPACH, Jules,Todos os Caminhos Conduzem ao Lar, Recife, PE, 2000.
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