Pular para o conteúdo principal

Revista Vila Nova » Discutir pra quê? ou “Quid est veritas?”

Discutir pra quê? ou “Quid est veritas?”

Atualizado em 16/01/2012 às 10:53.

Tomar uma cerveja e debater nunca foi tão difícil. Tente tratar de um assunto mais complexo ou incômodo e verá do que falo. Pior ainda: tente criticar uma teoria, um comportamento ou discorde do seu interlocutor apresentando firmes argumentos e logo sinta-se um malfeitor, perturbador de uma ordem que se define por não ser ordem alguma.
Um dos colegas vai logo fazer uma careta e ignorar-lhe solenemente. Outro iniciará uma conversa – não retrógrada como a sua – a respeito dos últimos acontecimentos da novela das oito. Os demais, perplexos por sua incivilidade, vão sentenciar sua deplorável conduta com palavras que sequer sabem o significado – inquisidor, intolerante, orgulhoso, fascista, preconceituoso, etc.. – e voltarão às suas casas com a cândida certeza de terem prestado um serviço à humanidade, reprimindo o sub-humano que teimava em não aceitar o que Dráuzio Varela e Jô Soares já haviam revelado aos simples mortais.
Tudo por causa de seu nefasto intuito de usufruir da função milenar dos bares.
É claro que a ignorância de muitos é um dado sociológico que explica várias das razões que levam as pessoas a agirem de tal modo, mas acredito que há antes um fator mais decisivo: o desprezo pela verdade.
Uma lição que tomei em minha vida -  e que me empenho em cumprir – é que devo sempre aceitar a verdade – seja sobre as coisas, teorias ou sobre mim – mesmo que me seja dita pelo pior inimigo, da forma mais odiosa possível. Isso porque deve-se aproveitar de tudo para ser melhor e somente a verdade é capaz de apontar o caminho certo a ser seguido e o errado a ser evitado.
O que vejo entre muitas pessoas com quem convivo é precisamente o oposto: despreze tudo, mesmo que seja a mais reluzente verdade, para que as idéias que você elegeu – por comodidade ou apego emocional, sem qualquer investigação racional séria – não sejam questionadas e você possa seguir a vida inteira, uma vez turvada a inteligência, sob o império dos mais baixos desejos, os quais se tornam a fonte da “verdade”.
Não é que tais pessoas estejam simplesmente enganadas, mas que elas não se importam em estar ou mesmo evitam descobrir se estão. Talvez seja este o principal motivo de tantos se dizerem agnósticos… Sem querer generalizar, a maior parte dos agnósticos que já conversei a respeito de sua posição não sabem em que e porque desacreditam e em que e porque acreditam, além de não fazerem o mínimo esforço para saírem da cômoda situação de um agnosticismo teórico e de um ateísmo prático.
É essa falta de interesse por saber o que é verdadeiro que conduz muitos a evitarem as perguntas que, no fundo, suscitam-lhes a certeza de que estão errados. É por isso que é bem mais fácil aceitarem a tão em moda ditadura do relativismo. É por isso que as boas companhias para se tomar uma cerveja se tornam cada dia mais raras.
Esse desprezo, no entanto, não é nada novo e se queremos aprender com a história é bom lembrar que foi um “Quid est veritas?” que levou a humanidade a cometer seu maior crime.



Revista Vila Nova » Discutir pra quê? ou “Quid est veritas?”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Wokismo": uma religião universitária?

    Jean Marcel Carvalho França* É popular, e há séculos repetida com orgulho pelos seus membros, a história de que as universidades emergiram na paisagem urbana europeia, entre os séculos XI e XIV, como um espaço de liberdade e mesmo de rebeldia, um espaço em que se podia estudar, refletir e ensinar com uma certa flexibilidade, distante da rigidez e do dogmatismo do ambiente monástico, onde o conhecimento era majoritariamente produzido. O mundo, no entanto, é mudança, e quase nunca para as bandas que esperamos. A mesma instituição que surgiu sobre a égide da crítica e que, depois do iluminismo, se consolidou como o lugar do livre pensar e do combate ao tal obscurantismo, sobretudo o religioso, pariu recentemente, entre o ocaso do século XX e as décadas iniciais do XXI, uma religião tão ou mais dogmática do que aquelas que dizia combater: a religião woke . Para os interessados em conhecer mais detalhadamente a história e os dogmas desse discurso de fé que cobra contrição mas ...

Pessoas que têm um senso de unicidade são mais felizes

Redação do Diário da Saúde As religiões têm um "ingrediente secreto" que faz pessoas felizes, mas um senso de conexão com a natureza e todos os demais seres vivos parece ter um papel ainda mais importante. [Imagem: CC0 Public Domain/Pixabay] Unicidade As pessoas que acreditam na unicidade - a ideia de que tudo no mundo está conectado e é interdependente - têm maior satisfação com a vida do que aquelas que não acreditam nessa totalidade imanente, independentemente de pertencerem a uma religião ou não. "O sentimento de estar em harmonia com um princípio divino, a vida, o mundo, outras pessoas ou mesmo atividades, tem sido discutido em várias tradições religiosas, como também em uma ampla variedade de pesquisas científicas de diferentes disciplinas. Os resultados deste estudo revelam um significativo efeito positivo das crenças unicistas sobre a satisfação com a vida, mesmo descontando as [diferenças das] crenças religiosas," disse La...

Missa na UFRJ