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no sentido horário: Kant, Fichte, Schelling , Hegel |
Joathas Soares Bello*
Por que a filosofia moderna e contemporânea pode parecer mais difícil que a grega e medieval (chamada injustamente de realismo "ingênuo")?
Porque seus princípios não têm base real, não correspondem a qualquer evidência ao alcance de todos (nem são auto-evidentes, isto é, também não possuem justificação metafísica).
Isso, somado ao domínio argumentativo dos filósofos (só um Peter Singer da vida às vezes erra contra a lógica formal clássica...), dá a impressão de que eles falam de algo muito complexo acima da compreensão do homem comum e "superior" à filosofia clássica; daí a necessidade de uma espécie de "iniciação", em que você precisa dominar os jargões dos filósofos, e daí também a prática incomunicabilidade das correntes filosóficas atuais, pois não partindo da realidade, mas de ficções ou construtos lógicos sem base real, não podem ter ponto de contatos e ser convalidadas.
Alguns exemplos (vou ficar só em 4 dos "maiores"):
1) Descartes
A "dúvida universal" como ponto de partida é uma impostura "evidente"; ninguém em sã consciência verdadeiramente acredita que os enganos dos sentidos, quer eventuais ou corriqueiros, são desmerecedores da verdade da realidade. Toda pessoa que raciocina minimamente deve concluir que o engano é da razão, que julga precipitadamente. Ver um vulto é ver verdadeiramente um vulto real. O problema é resolvido aproximando-se dele, não negando a realidade/verdade do vulto visto.
2) Spinoza
conclui pelo monismo porque o modo como ele define arbitrariamente a "substância" não pode concluir outra coisa: o único conceito que não precisa depender de outro conceito para ser concebido (a confusão entre ente real e ente de razão já é um problema) é o de "totalidade". Não é uma verdade intuitiva a de que Deus=mundo, nem é auto-evidente o conceito arbitrário dele de "substância". Ou seja, ele "está roubando" desde o início da sua Ética geométrica.
3) Kant
Alegar que o "espaço" existe à parte das coisas sensíveis (meramente como forma da sensibilidade) porque só as vemos espacialmente ou porque podemos pensá-lo separado é tão obviamente insuficiente que não pode servir para justificar toda uma filosofia (que é muito útil ou tem lá sua verdade como epistemologia das ciências). É mais do que claro que também pode ser assim porque as coisas sensíveis são espaciais e porque o espaço pode ser abstraído delas! Não dá para levar tão a sério como filosofia geral uma cujo ponto de partida nem é intuitivo nem tem razão suficiente (o escandaloso é que não houvesse filósofos cristãos para mostrar isso...).
4) Hegel
Dizer que o "ser" é o "mais indeterminado" (no início da Fenomenologia do Espírito) ou que é "deveniente" (no início da Lógica) também não corresponde a qualquer visão efetiva da realidade: o conceito de "ente" não é uma abstração vazia, mas a entidade sempre é algo revestido de essencialidade ou determinação, não existe à parte desta (e vice-versa: toda essência existente é revestida de entificação ou realidade concreta). A entidade é sempre o ato ou existência real de uma essência realmente existente (a confusão de certa escolástica que pensa a "distinção real" entre ser e essência como uma combinação da existência factual com a essência lógica não deixa de ter alguma culpa na confusão hegeliana...). "Deveniente" é obviamente o ser ao alcance de nossos sentidos e intelecção primordial; daí a concluir que o Próprio Ser é assim vai uma distância infinita...
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(*) graduação em Licenciatura em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2000), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2004) e doutorado em Filosofia pela Universidad de Navarra, Espanha (2009), atuando principalmente nos seguintes temas: teoria do conhecimento, ontologia, filosofia da religião, antropologia filosófica, história da filosofia.
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