
Perto
de minha casa mora um catador de recicláveis. Não é negro. Altivo,
perambula, com seu amigo inseparável — um cão vira-latas –, pelas ruas
do bairro puxando um carrinho e virando lixos à procura do que lhe
sirva. Não me parece doente, tampouco desesperado. Parece o que
realmente é: pobre — alguém pouco favorecido. Não o conheço. Não sei se foi rico, se tem estudo, família; mas quando o vejo, reconheço: é pobre.
Pensando
nesse homem, vi com estranheza uma notícia que se espalhou de maneira
epidêmica dias atrás — da militância de extrema esquerda (incluindo
aquela que diz “mosquita” e desgovernou o país recentemente) aos jornais
de TV em horário nobre: “Negra, pobre e da rede pública fica em 1º em
curso mais concorrido da Fuvest”. Foi aprovada para o curso de Medicina
da USP-Ribeirão, feito pelo qual merece os parabéns. Lendo a matéria, no
entanto, descobri que a “negra-pobre” é fã de Grey’s Anatomy (série
exibida em canal pago). Então pensei: “será que aquele catador de lixo
assiste séries? Será que usa as redes sociais?”. Talvez sim, não sei.
E
não foi só isso que descobri. Li que a moça, em entrevista, repetiu o
famigerado bordão racista e ofensivo da esquerda: “A Casa-Grande surta
quando a Senzala vira médica”. Pensei de novo: “Será que essa moça sabe o
que está dizendo? Será que imagina como era a vida numa Senzala? Não
entende que, assim, menospreza o sofrimento daqueles que viveram tal
situação? Não se dá conta que esse discurso só serve a interesses
alheios aos seus?” Talvez sim, não sei.
Descobri
também que sua aprovação foi fruto de muito esforço; fez cursinho e
reforço de matemática, porém disse não acreditar em mérito porque “teve
ajuda”. Como se o mérito prescindisse do amparo de terceiros; como se a
ajuda não tivesse surgido exatamente em reconhecimento ao seu esforço.
E, em nome de um discurso vazio, escraviza-se voluntariamente e me leva a
admitir que ela vive, de fato, numa senzala. Não naquele lugar escuro,
enfumaçado e opressivo — o “pombal negro” de que fala Joaquim Nabuco.
Mas, do conforto de seu lar (num conjunto habitacional em Ribeirão
Preto), a linda jovem se entrega aos encantos do socialismo e do
feminismo — duas senhoras vorazes que adoram escravizar negros(as) em
seu principal engenho ideológico: a universidade.
Tudo
isso é muito triste, pois a história do negro brasileiro é sinônimo de
superação; e quando um(a) negro(a) encara suas conquistas como essa
jovem, despreza o esforço de gente como José do Patrocínio, André
Rebouças, Chiquinha Gonzaga, Maria Firmina dos Reis e tantos outros que
lutaram pelo fim da escravidão no Brasil. Agindo assim, nega,
categoricamente, a história dos negros que deseja representar, e se
prostra, cativa de uma ideologia.
Mas
o mais lamentável é esse pretenso protagonismo. Sabem quem foi a
primeira médica negra do Brasil? Maria Amélia Cavalcante de Albuquerque,
nascida em 1854, num engenho em Pernambuco, e parente do primeiro
médico negro do Brasil, o Dr. José Marques. Dra. Amélia Cavalcante,
mulher de inteligência singular, recebeu ajuda e incentivo de ninguém
menos que Tobias Barreto, o proeminente filósofo e poeta (negro), e
formou-se em 1892, na Faculdade de Medicina do RJ. No dia de sua morte,
em 1934, a imprensa noticiou sua importância e pioneirismo.
O
maior bem que um ser humano pode almejar é a liberdade; no entanto,
parece-me que algumas pessoas, confirmando a tese de Aristóteles,
nasceram para a servidão.
Paulo Cruz é mestre em Ciências da Religião e professor de Filosofia no ensino médio da rede estadual paulista.
Uma senzala chamada Ideologia – Medium
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