Pe. Stanley L. Jaki
Tradução: Wagner de Souza e Cristiano de Aquino
Notas
1 A. Froude, The History of England from the Fall of Wolsey to the Defeat of the Spanish Armada (1856-1870), vol.VII, p. 174. Esta obra monumental, estabeleceu Froude como um dos principais prosadores ingleses, alentando enormemente os preconceitos intelectuais contra a Igreja Católica. Daí o valor especial do testemunho de Froude.
2 Tyrell (1861-1909), um convertido ao catolicismo e, posteriormente, um jesuíta, foi excomungado quando rejeitou a condenação que Pio X emitiu contra o modernismo em 1907.
3 Arcebispo Pilarczyk, citado no The New York Times, 21 de setembro de 1987, p. 1 col.2.
Tradução: Wagner de Souza e Cristiano de Aquino
A expressão "Intelectual
Católico" parece supinamente ociosa, indicativa de alguma contradição. Não
é ocioso escrever "católico" como "Católico" quando
"católico" deveras corresponde a um juízo acerca do elenco universal
dos valores e das realidades? E pode tal juízo verdadeiramente convir, se não
for também um trabalho do intelecto?
O aparente conflito entre
"católico" e "Católico" vai especialmente incomodar os
intelectuais que tomam as idéias e não os fatos como seu ponto de partida. A
consideração dos fatos tem certamente a precedência, desde que se tencione
chegar a qualquer coisa tangível sobre os dilemas, deveres e expectativas dos
intelectuais Católicos. Para qualquer destes, o mais relevante de todos os
fatos será precisamente o primitivo uso e acepção do vocábulo
"católico", palavra de origem grega.
Por surpreendente que nos
pareça, a palavra "católico" ocorre apenas aqui ou acolá pelos
escritos dos antigos filósofos gregos. Enquanto Aristóteles, por exemplo,
amiúde usa o advérbio "kath'olou" (de um modo geral), nunca usa
entanto a sua forma adjetiva "catholikos" ou seus variantes femininos
e neutros. A razão pode estar no desdém que a todos os outros povos votavam os
gregos, a quem eles jubilosamente agrupavam sob o termo "barbaroi".
Os filósofos gregos tampouco esgotaram toda a lógica contida na idéia,
amplamente cultivada entre eles, de que a mente individual seria apenas uma
ínfima fração da mente universal em que era aquela reabsorvida após a morte do
corpo. Pois, se tal fosse o caso, embora não fosse de origem grega, a mente de
cada indivíduo deve ter tido um caráter verdadeiramente católico ou universal.
O erro em que incorriam os
gregos ao ignorar isto estava, naturalmente, enraizado na sua incapacidade de
enxergar para além da mente na personalidade de cada indivíduo. O infinito
valor desta personalidade foi apenas revelado no Cristianismo. Na medida em que
os cristãos abandonaram-se à evidência incontestável de Jesus Cristo, o Filho
encarnado de Deus, completamente perceberam o que significava para o homem ter
sido "feito à imagem e semelhança de Deus."
Esta última expressão, tão
inegavelmente hebraica em sua origem, não conseguiu revelar seu absoluto
sentido católico no contexto da Antiga Aliança. Não significa isto que o Antigo
Testamento não contivesse sugestões cada vez mais fortes sobre um futuro ou
apogeu verdadeiramente católico. Mas muitas das dissensões entre Cristo e os
judeus de sua época vieram à tona justamente sobre a questão de saber se deve o
mundo tornar-se judeu, ou se deviam os judeus tornarem-se universais, ao menos
em perspectiva, afim de cumprir um desígnio divino de salvação válido a todos.
Era católico este desígnio porque era ele também Católico, isto é, ligado a um
indivíduo muito específico, que, sendo um galileu, era muito singular, mesmo da
perspectiva judaica.
A universalidade da perspectiva
cristã compendiou-se na célebre frase em que nos diz São Paulo que não era
Judeu, tampouco Gentio, o Cristo, mas nova criatura. Visão supernamente
universal ou católica do homem, esta implicava na convicção de que na natureza
humana havia algo de universal ou católico. Por esta razão foi o racismo
nazista denunciado pelo Papa Pio XI e Pio XII como uma total abominação. Em
face deste racismo, os gurus darwinistas poderiam murmurar apenas alguns
equívocos sobre a dignidade individual e a igualdade humana. É este um ponto
que não pode ser ponderado longa, profunda e suficientemente pelos intelectuais
Católicos, que não desejam regatear sua Catolicidade por esta miragem -
curvatura cósmica em direção a um ponto ômega - denominada Jesus Cristo.
O primeiro uso cristão do termo
"katholike" está consignado num conjunto de escritos: as cartas de
Inácio de Antioquia que, considerando o fato de que em um curto espaço de tempo
foram escritas (durante sua jornada como prisioneiro de Antioquia à Roma), tem
grande coesão e unidade. O mesmo que primeiro nestas cartas usou a expressão "katholike
ekklesia", ou seja, a unidade de todas as igrejas locais, com extrema
clareza mostra-nos que as igrejas apenas existiam porque tinha cada uma delas
um bispo que, por seu turno, representava o próprio Cristo.
Esta estrita síntese de
catolicidade e individualidade num determinado ser humano, o bispo, demonstra
que o entendimento cristão da catolicidade da Igreja significava desde o início
algo muito diferente de um universalismo difuso. A catolicidade era para eles
algo estritamente concreto, como todos os fatos e entes o são. A catolicidade
tinha, outrossim, um centro que estava nitidamente expresso na consciência dos
bispos que tinham o estrito dever de estar em comunhão uns com os outros, e que
surgiu como resultado de uma união a um centro geral muito concreto. Estes dois
desenvolvimentos são dignos de ser considerados por um momento, se ao menos os
obtemos, como base concreta para avaliar o estatuto e os deveres do intelectual
Católico.
Não é preciso ser crédulo, é
bastante ser um imparcial observador dos fatos, a fim de registrar algo que não
tem precedentes na história: O surgimento repentino dentro do Império Romano,
ou "oikumene", de centros de administração espiritual, eventualmente
paralelos aos centros políticos de administração, totalmente independentes
embora, e, de fato, por vezes, em feroz antagonismo para com eles. É este o
pano de fundo da expressão "bispo diocesano", que evoca as principais
áreas administrativas, ou dioceses. O sistema político breve encontrou um rival
temível nesse novo conjunto de centros administrativos que tiveram um poderoso
centro global em seu próprio país. Era, para o Imperador Décio, muito óbvio o
que alguns estudantes modernos da Igreja primitiva relutam por reconhecer. São
Cipriano cita-o em uma observação em que nos faz notar que, se não obtivesse
ser imperador, gostava ser Bispo de Roma.
Eram os Bispos, indivíduos
concretos, estes centros particulares, cujo número passou de sete para cerca de
oitocentos, tanto no Oriente e nas partes Ocidentais do Império ao tempo em que
ascendeu Constantino. Em uma consideração meramente política, ainda que nada
mais houvesse, Constantino não teve escolha a não ser fazer a paz com esta
outra administração. Quando caiu o Império, sobreviveu a civilização porque
esses centros espirituais, estranhamente, não foram aniquilados.
Perspicazes historiadores da
antiga Europa (é bastante lembrar-nos de Henri Pirenne) asseveraram a
contribuição dos bispos como fonte de estabilidade cultural, mesmo no âmbito
muito limitado de suas áreas de atuação. E quando volta-se um historiador para
o tempo em que neste ou naquele país europeu viu-se a introdução de bispos,
ainda que sem um vínculo nominal sequer com um centro Católico, pode ao menos
notar um acentuado contraste entre dois tipos de bispos. O historiador que mais
memoravelmente fez isso foi James Antony Froude. Sua observação é tanto mais
significativa quanto tornou-se ele um agnóstico, depois de ter brevemente
simpatizado com Newman e mesmo ordenar-se diácono na Igreja Anglicana. Em sua
obra prima de doze volumes, por ocasião da Ordenança Isabelina, que estabeleceu
uma nova hierarquia na Inglaterra, Froude fez a mais "Católica" das
observações. Ele o fez de modo a descrever tal Ordenança tanto como a
substituição de uma ordem essencial por sua mera imagem, a fim de "manter
a ilusão" de que uma mesma seiva ainda fluia na grotesca contrafacção da
velha árvore da sucessão ininterrupta dos bispos, quanto como pivô de uma
catolicidade verdadeiramente Católica:
Um bispo Católico exerce seu ofício
por um prazo insusceptível aos acidentes do tempo. Podem mudar-se as Dinastias,
perderem nações sua liberdade, aluir-se pela torrente das revoluções o tecido
firme da sociedade - permanece em seu posto o prelado Católico. E quando morre,
outro toma o seu lugar; e quando inda uma vez as águas submergirem seus
alicerces, a plácida figura é vista de pé onde antes postava-se. Mudam-se os
indivíduos, enraizada inda está tal autoridade como uma rocha nos fortíssimos
pilares do mundo. . . A Igreja Anglicana era um membro amputado ao tronco
Católico. . . Se não o tivesse sido em sua essência, poderia manter a forma do
que tinha sido, a forma que a tornou respeitável, sem o poder que a tornou
perigosa. Esta imagem, em sua aparência, poderia corresponder a de seu tronco
materno e, para sustentar a ilusão, era necessário fornecer bispos que
parecessem ter herdado seus poderes pelo método consagrado, como sucessores dos
apóstolos.(1)
Froude observou, outrossim, que
Cecil, o poder por trás Elizabeth, reuniu todos os bispos Edwardianos que
sobreviveram ao reinado de Maria "para quantitativamente munir suas
qualificações." Essas qualificações eram defectivas. Entre elas, a
precípua era a incapacidade dos bispos de conhecerem a legitimidade de sua ordenação.
Tal duvidosa transmissão do poder espiritual resultaria, contudo, em uma
hierarquia que, de acordo com Froude, "se teria desintegrado em
areia", tendo tombado Elizabeth. Obviamente, a inquestionável legalidade
da ordenação dos bispos Católicos fora a razão pela qual, a despeito de todas
as suas imperfeições individuais, proporcionaram eles o tipo de legitimidade
que em permanência e estabilidade se traduz.
Qualquer que seja a deformidade
individual dos bispos, que está a mídia ávida por alardear, o Colégio dos
Bispos exibe a única força digna de respeito em um mundo moralmente decadente.
A decadência começou nas mais desenvolvidas ou ricas bandas do mundo, que
arrebatadamente se estão despedindo dos últimos sinais de sua herança cristã
intelectual e moral. Os mais perspicazes protestantes notaram uma enorme
diferença entre a sua situação e a dos seus irmãos Católicos. Enquanto acham-se
eles, a mais e mais, sob o enérgico atrito das alternativas da moda, os
Católicos ainda são recordados por seus imutáveis princípios eternos. A causa
dessa diferença precisamente reside no fato de que os Católicos possuem bispos,
ao passo que os protestantes não. Aqueles a quem os protestantes chamam de seus
bispos o são apenas nominalmente. Um bispo luterano ou um metodista, e com
muito mais razões um calvinista ou um Baptista, é um conceito para o qual não
pode assegurar legitimidade alguma sua origem ou teologia, ao menos não mais
que à quadratura do círculo pode conceder um matemático.
O que alguns protestantes,
pesarosos de não terem bispos tal como definidos por uma tradição de dois mil
anos de idade, não compreendem é que têm bispos os Católicos não porque os
fazem. É precisamente o contrário: são os bispos que fazem os Católicos . Os
Católicos são crentes cuja fé é, essencialmente, uma submissão à voz de
determinados indivíduos que se anunciam com a extraordinária alegação de que
com a autoridade do próprio Cristo dialogam, e continuam a fazê-lo por dois
milênios depois Dele. Isto afirma porque vêem sua autoridade como algo que lhes
foi transmitido por indivíduos que, por sua vez, a mesma afirmação fizeram em
seu tempo, retrospectivamente até os Apóstolos. Estes, decerto, não silenciaram
sua convicção de que eram os depositários da autoridade do próprio Cristo e,
portanto, de que era indivisível sua autoridade.
Era, desde o início, muito forte
a consciência da necessidade de coesão estrita entre os bispos. Este é um ponto
sobre que o intelectual Cristão jamais refletira o bastante, uma vez que
permaneça no seio das Academias onde dissensão - e, amiúde, dissensão em razão
de mais dissensão - de bom grado passa por aprendizagem e originalidade. Nada,
com mais flagrante vigor, corrobora a força da consciência dos bispos que o
fato (inda uma vez um fato), de que, desde os primeiros tempos, ao pecado de
heresia olhavam como a um crime pior que a idolatria. Essa era a visão de
Alexandre, mártir de Alexandria. No Ocidente, Sto. Agostinho ponderou que não
há uma só razão que seja para quebrar a unidade da Igreja. Agostinho deu também
profícua expressão para o critério concreto "tornar-se um com a
totalidade" ou a "catholike". Ao dizer-nos que o critério
consiste em tornar-se um com o atual bispo de Roma como sucessor de Pedro,
primeiro bispo daquela cidade, Agostinho apenas repetiu uma célebre frase de
Sto. Irineu, mártir de Lyon, acerca da obrigação de todas as igrejas de
congregar em torno daquela Igreja.
Que não pronunciou Irineu
qualquer coisa de "Ocidental" ou Latino, como deu-nos tal critério,
está claro por duas razões. Um delas é que era Oriental Sto. Irineu. Lyon era
um posto avançado dos gregos no coração do Ocidente. A outra é que Sto.
Crisóstomo, o maior de todos os doutores da Igreja Oriental, foi talvez o
defensor mais enfático da primazia de Pedro e seus sucessores. Este fato é uma
pedra no sapato de todo "ortodoxo ecumênico", que não apenas se
orgulha de ser intelectual, mas também de algo saber da verdadeira história da
ortodoxia oriental.
Cá, também, tem a história para
a teologia a mesma importância que tem os laboratórios para a ciência.
Trouxe-nos a História, em conexão com o vocábulo "católico", o único
significado que seu sensato uso pode ter: deve ter alguma especificidade em sua
generalidade. Aqueles que à palavra "católico" relegaram a uma vaga
generalidade ou universalidade foram rejeitados pela história. Os desafios da
história muito excediam a aptidão dos gnósticos que, contra o padrão de verdade
que estavam ensinando concretamente os bispos autorizados.estabeleceram algumas
preferências minuciosamente vagas para o critério de verdade católica ou
universal. Repeliu a História a esotérica santidade dos cátaros e seus
diferentes ramos, e vindicou as tangíveis normas de conduta tal como pregadas
pelos bispos. A História inteiramente desdobrou o princípio de fragmentação que
os primeiros protestantes em vão tentaram exorcizar a partir de seus
pressupostos iniciais. A História abandonou os "velhos Católicos"
precisamente porque estes recusavam-se concretamente rejuvenescer na Igreja
sempre viva, que se não podia confinar a uma determinada quadra de sua
história. Provaram-se miseravelmente destituídos de qualquer lógica aqueles
que, muito recentemente, arriscaram o parecer duma "oposição leal",
inda que tenham convencido a si mesmo e a outros derrotados espirituais.
Aqueles cristãos que querem ser
católicos, embora não Católicos, podem muito bem refletir sobre as lições de
dois esforços para chegar a um universalismo que era católico, mas não
Católico. Um deles, tendo mais de duzentos anos, está esquecido, não obstante
muito instrutivo. Na verdade sua significação, por ninguém menos que
Talleyrand, foi-nos transmitida. Talleyrand não era propriamente um exemplo de
cristão, menos ainda de Católico. Era entanto bispo. Certa feita foi abordado
por Larevallière-Lépeaux (1753-1824), membro da Diretório (Directoire Executif
de la République Française), que inutilmente pensou e tentou propagar uma nova
religião, chamada de "Theophilanthropia". Ao ser informado pelo
fundador da nova religião, que perfeitamente parecia condizer com os ditames do
intelecto puro, que este não obteve prosélitos, Talleyrand comentou: "Não
acho surpreendente seu fracasso. Se quiseres prosélitos, faça milagres. Cure
enfermos, ressuscite os mortos, permita-se crucificar e ressuscite ao terceiro
dia. "
Uma vez que, sobre a entrada de
todos os departamentos de teologia "cristã", increveu-se esta
observação, e que cada novo conjunto de professores começa, em todos os assuntos,
por reinventar a Igreja de acordo com novos modelos de fantasias intelectuais,
pode-se extinguir com a esperança de qualquer benefício, tanto quanto com a
lição de qualquer esforço. Isto pode ler-se no ensaio "Reflexões sobre o
Catolicismo", escrito cerca de cem anos atrás. É possível que encontremos
jamais uma mais avassaladora celebração estilística do catolicismo. O autor do
ensaio tudo exigiu nobre. Tampouco insistiu que uma mesma pessoa deva ser a
encarnação de todas as virtudes e perfeições "católicas". De fato,
advertiu-nos contra tal excesso: "Somente a fantástica noção de que tudo
devemos comer em cima duma mesa é que ao banquete faz parecer pesado." A
mera lembrança do nome do autor desse ensaio, George Tyrrell (2), revela que o
que realmente defendeu foi a liberdade de escolher na mesa do banquete católico
de acordo com suas próprias preferências, e, se necessário ou desejável, se não
alimentar de itens que saibam a Catolicismo. Estes itens pairam acima de todos
os maiores e, aparentemente muito singulares, fatos da história da salvação.
Cerca de cem anos mais tarde, depois
de uma sistemática má interpretação do que representou o Concílio Vaticano II,
o presidente da Conferência dos Bispos Católicos Americanos advertiu, em
conexão com a visita do Papa, de que "não é um supermercado a Igreja, onde
são livres para tomar ou dispensar o quer que seja os Católicos."(3)
Comparado com o que disse Tyrrell, são muito triviais estas palavras, de fato.
Mas precisamente por isso elas devem estar ao alcance de todos os intelectuais
Católicos, especialmente daqueles que se orgulham de ser teólogos e, amiúde,
mais preparam-se com retórica que com rijos pensamentos e respeito aos fatos.
Intelectual ou não, Cristão ou
não, o intelecto de submeter-se aos fatos, e não o contrário. É este um ponto
de suma importância se sensatamente discorremos sobre a situação e as
responsabilidades dos intelectuais Católicos. O Catolicismo significa, acima de
tudo, render-se ao mais momentoso fato da história, Jesus Cristo, ou a carne e
o sangue, e portanto, à mais singular realidade (Católica) da encarnação do
Filho de Deus. Entretanto uma parte deveras importante daquela realidade
consistia em Sua intenção de ministrar com universal autoridade e, em todas as
provações, a ver perpetuada. Portanto, a submissão, a Cristo, do intelectual
Católico deve ser precedida de uma submissão àqueles que, hoje, são a concreta
voz da autoridade de Cristo, que estritamente outorga o Magistério. Só então o
intelectual Católico dá início à tarefa de desdobrar as implicações conceituais
da realidade da Encarnação para uma compreensão do Catolicismo em toda a sua
essência.
A tarefa é indubitavelmente
vasta. A sensata abordagem desta tarefa seria começar com as claras definições
derivadas deste ensino oficial. Isto pode entanto em nada resultar numa época
temerosa de definições, embora orgulhosa de seu intelecto. Orgulho que sempre
cega e a torna inda mais vulnerável. É bastante lembrar-nos o conselho que um
eminente professor de filosofia deu a um jornalista pronto para entrevistar
Jacques Derrida, pai do desconstrutivismo. Aconselhou ao jornalista Dinita
Smith não interrogar a Derrida, de imediato, acerca de sua definição do
desconstrutivismo. "Faça-a de sua derradeira pergunta, porque os leva a um
paroxismo ou raiva."(4) Tal admoestação é, infelizmente, também susceptível
de aplicar-se a muitos intelectuais Católicos, que hoje relutam em dar a
definição de alguns termos centrais em seu discurso sobre o Catolicismo.
Em lugar de definições, quiçá
seja aconselhável começar com as considerações de fatos históricos. Um tal fato
é o mesto privilégio de Roma, que permanece, na Cristandade, o único bastião
leal e obstinado de todos os dogmas Cristológicos em nome dos quais tantos
Católicos, sobretudo Atanásio, tiveram de fugir para salvar as próprias vidas.
É suficiente considerarmos que nesta época de grandeza ecumênica a Igreja
Católica muito tolerou a Kantian skullduggeries de Hans Küng, mas o deteve em
sua senda "Católica" quando ele meteu-se com a compreensão oficial da
Igreja acerca de Cristo como consubstancial Filho do Pai.
Como um Kantiano, Hans Küng não
tinha escolha, mas sentia que a fé Católica em Cristo muito restringia o âmbito
do "catolicismo". A fé em questão certamente dá ao Catolicismo um
tipo de vitalidade que sentido algum faz no nefasto mundo do apriorismo kantiano,
onde os fatos pouco importam. Harnack errou em muitos pontos, mas provou ser um
astuto intérprete da história, quando observou, um século atrás, que não fosse
por esse dogma da consubstancialidade, o cristianismo rapidamente se teria
transformado em uma obscura seita judaica. (5)
O intelectual Católico deve,
portanto, sobretudo nutrir-se no episódio e no conteúdo da Encarnação como
desde o início o foi entendido. Deve abster-se das releituras deste episódio,
como feitas por aqueles que julgam a história como o desdobramento de um
Espírito Absoluto, tal como o definia Hegel, não menos insuspeito que seu
próprio espírito. Instruídos por Hegel, muitos tornaram-se ignorantes e dados a
esse ridículo erro de à frente dos bois pôr a carroça. É preciso ainda que
estudem a incrível má compreensão e má interpretação de Hegel quanto ao o
exercício do intelecto na ciência à proporção em que, para isto, primeiro deve
submeter-se aos fatos.
Os intelectuais Católicos devem
também perceber que nem inventou a si mesma a Igreja, nem sempre inventa a
novos dogmas. A Igreja em Nicéia propôs a consubstancialidade não como uma sua
inédita reflexão, mas como algo que tinha, com autoridade, de pregar, porque a
Igreja já o havia feito, mesmo sem usar esta exata expressão. A consciência que
tem hoje, a Igreja, de suas funções e competências continuamente baseou-se na
convicção da mais recente geração de bispos em união com Roma de que estas lhes
foram transmitidas por bispos anteriores que, por sua vez, nutriam a mesma
convicção de lhes ter sido confiada uma autoridade extraordinária. Hans Küng,
que tão eloqüentemente pregou sobre o Catolicismo como uma epítome do
catolicismo, encontrou seu Waterloo quando, não Roma, mas os seus próprios
bispos alemães forçaram-no a um confronto acerca de sua relutância em endossar
os Concílio de Nicéia e Calcedônia. Para seu assombro, e isso mostra o quão mal
ele compreendeu a história da Igreja (o que nos não deveria surpreender por
parte de um kantiano que, como Kant, audaciosamente, tem a pretensão de
prevenir o que deve ocorrer na história), os bispos alemães concordaram com a
necessidade de ensinar em uníssono com Roma, marco da autoridade viva na
Igreja.
A face vívida daquela autoridade
sobreveio com especial intensidade na reação de João Paulo II acerca da
ordenação de mulheres na Igreja Anglicana. O atual Magistério, disse ele em sua
Carta Apostólica, não tem conhecimento de se lhe ter sido confiado o poder de
ordenar mulheres. Não foi porque o Magistério da Igreja tivesse insuficiente
poder intelectual para revelar o conteúdo de algumas noções acerca das mulheres
e sua ordenação, mas simplesmente porque não tinha conhecimento de se lhe ter
sido investido este poder. E ao elaborar esta objurgatória, João Paulo II citou
uma declaração muito semelhante de Paulo VI, seu antecessor, duas vezes
removido duma corrente cujos elos remontam a Pedro, o chefe dos Apóstolos.
Esta analogia de uma corrente é
de especial importância. A sucessão dos bispos, num colegiado, não é algo como
a justaposição de elos em uma corrente, onde todos os elos se sucedem
distintos, e independentes. Na sucessão do colegiado dos bispos os elos e as
linhas se sobrepõem uns aos outros. Os Bispos não morrem todos ao mesmo tempo
para serem sucedidos por um outro conjunto de bispos. Mesmo a sucessão dos
bispos de Roma se dá num Colégio Episcopal contínuo, embora este último
continue a ser um colégio apenas na medida em que se congraça com seu centro.
Um intelectual católico deve
ter, como critério último de ponderação, um total e incondicional compromisso
com a voz vinda de Roma como o único fator que o coloca em contato adequado com
a verdade maior que é Cristo. Este contato se não dá por meio de especulações
sobre a história, tomadas num sentido deveras anti-histórico, e que projetam
modernos preconceitos no passado. Isto equivale a informar o espírito do
indivíduo de hoje a fim de investi-lo duma autoridade superior a daquele que
para si reivindicou toda a autoridade no céu e na terra e confiou aos Doze a
específica tarefa de continuar com esta mesma autoridade. Estes, impondo suas
mãos sobre os outros eleitos, deixaram claro, desde o início, que assumiriam a
essencial tarefa de perpetuar essa autoridade, não como uma simples idéia, mas
como uma realidade concreta, até o fim dos tempos. A principal incumbência dum
intelectual Católico é regozijar com este fato, de assombrosas proporções,
posto que lhe franqueia o acesso ao grande acontecimento, Cristo, a fim de que,
em sua mais alta expressão, possa realizar a verdadeira atividade do intelecto,
que é submeter-se aos fatos .
Eis a essência do que, em tempos
mais sensatos, foi destemida e orgulhosamente denominada como lealdade a Roma.
Nestes tempos cada vez mais confusos, nada se pode fazer de melhor que voltar a
John Henry Newman para mostrar-nos algo das ramificações daquela lealdade. O
que nos disse ele para sempre desmente a percepção, cuidadosamente nutrida, de
que a Igreja é apenas uma outra forma de democracia, em que a maioria de votos,
cuidadosamente manipulados por alguns com pronto acesso aos meios de
comunicação, decide o que constitui a verdade, se ainda experimentamos a
necessidade de verdade em tudo .
O trecho que vamos citar é uma
nota que Newman anexou a re-edição de sua "A Via Media ou a Igreja
Anglicana", como parte de suas obras completas. Aqueles que leram sua
Apologia já sabiam que a principal razão para a sua conversão ao Catolicismo
era a constatação de que a "Via Media" só existia no papel. Mas, para
que ela não viesse ser mal interpretada, acrescentou a seguinte nota:
Direi, mas de passagem, que não
devo, neste argumento, esquecer que o Papa, como Vigário de Cristo, herda estes
ofícios e atos da Igreja mesma. . . O Cristianismo é, pois, ao mesmo tempo uma
filosofia, um poder político, e um rito religioso: como uma religião, é Santo,
como uma filosofia, é Apostólica, como um poder político, é imperial, isto é,
Uno e Católico . Como religião, o seu centro especial de ação é o pastor e
rebanho, como filosofia, as Escolas, como regra, o Papado e sua Cúria (grifo
nosso) (6)
Tal lealdade, única entre todas,
pois se liga a Cristo, deve, portanto, ter ramificações intelectuais que são
verdadeiramente libertadoras. Uma vez combalido naquela lealdade, o intelectual
Católico será tomado por dúvidas quanto a superioridade do Catolicismo, se
considerado com fator cultural, sobre tudo mais. Inda uma vez, aqui, ouçamos a
voz de Newman como a voz de alguém que muito combateu para derribar as ilusões
e a imagem de uma Igreja que substituiu a salvação pela propriedade cultural; e
para participar da verdadeira Igreja que, se parecia culturalmente inferior,
fez, de fato, muito maiores contribuições para a cultura do que qualquer outra
Igreja ou organização. Isto ele asseverou para o seu sobrinho, John R. Mozley,
professor de matemática em Manchester, que, numa epístola, expressou sua
estupefação, a seu famoso tio (que inda não era cardeal), pelo fato de como
fora possível a uma tão prodigiosa inteligência voluntariamente cegar-se para
os irremediáveis defeitos da Igreja Romana:
Admito que o ensinamento da
Igreja, que em suas exposições formais é divino, tem sido, por vezes,
pervertido pelos seus funcionários, representantes e súditos, que são humanos.
Admito que se não fez o bem tanto quanto se poderia fazê-lo. Admito que, na sua
ação, que é humana, é um justo alvo para críticas ou acusações. Mas o que eu
afirmo é que ela tem feito uma incalculável quantidade de bem, que tem feito o
bem de um especial modo, como nenhum outro governo histórico, docência ou culto
o fez, e que este bem resulta de seus princípios professados, e que suas
lacunas e omissões resultam de um descuido ou um abandono momentâneo destes
princípios. (7)
Esta passagem exige uma reação
bem distinta. Por um lado, seria correto inferir que é dever do intelectual
Católico investigar tal incalculável quantidade de bem. Ademais, estaria
correta ao acrescentar que deve ele convencer-se de que existe o bem em questão
e, portanto, vale a pena o esforço de descobri-lo e trazê-lo à plena luz do
dia. Ele deve também reconhecer que "a descoberta favorece a mente
preparada"; frase adequadamente cunhada sobre as condições sobre as quais
se realizam as descobertas científicas.
Por outro lado, essas
considerações não implicam que os intelectuais Católicos apenas se qualificam
como Católicos por trabalharem sobre temas especificamente
"Católicos". Um intelectual Católico permanece não apenas um
intelectual, mas também um Católico, se ele ou ela investiga temas puramente
naturais. A maioria das áreas de investigação são de tal ordem. Isto é deveras
evidente quando se considera, por exemplo, a grande variedade de pesquisas
disponíveis nas ciências naturais. A maioria dos ramos da ciência não levantam
os tipos de questões fundamentais que tocam os fundamentos da epistemologia e,
conseqüentemente, da metafísica. Mesmo na física de partículas fundamentais e
em cosmologia científica muita pesquisa pode ser feita sem nunca deparar a
questão sobre o estatuto ontológico do verdadeiro momento primeiro e sua
relação com a origem do universo, ou a criação de toda a matéria a partir do
nada. O intelectual Católico escarnece de seu Catolicismo se admite jogos
conceituais com a Criação, tão caros e fomentados pela interpretação de
Copenhague da mecânica quântica.
A questão de que se é possível
saber se há um universo, que Kant desqualificou como um produto bastardo da
ânsia metafísica do intelecto, está continuamente posta diante todo e qualquer
cosmólogo. Não será contornada substituindo-se o termo "universo",
esta entidade católica na medida em que representa a totalidade das coisas,
pelo termo "multi-verso", que é uma máscara verbal para legitimar a
incoerência cósmica, uma perspectiva certamente anticientífica. Em um nível
diferente, o trabalho em biologia, especialmente na genética, revela cada vez
mais flagrantemente questões que são éticas, nesse sentido supremo em que a
ética se relaciona com o âmago católico da personalidade.
Um intelectual Católico deve
estar pronto para enfrentar essas questões num sentido genuinamente Católico. E
se não adquiriu a capacidade de lidar com essas questões, ele ao menos deve ter
a vívida convicção de que respostas Católicas lhes podem ser dadas e de que, de
fato, foram dadas amiúde. E, mais importante, o intelectual Católico não deve
sacrificar a verdade dessas respostas em função de seu prestígio junto à
academia secular, que é nulo na maioria dos casos.
Um intelectual Católico deve
estar pronto para nadar contra a corrente que contra ele fluirá até o fim dos
tempos. Ele não deve sonhar com uma nova Idade Média, em parte porque aqueles
tempos eram, de muitos modos, muito medíocres, e em parte porque a história não
pode repetir-se. Utopia e história são noções mutuamente exclusivas. Ele
meditará jamais o bastante acerca duma afirmação amiúde negligenciada nos
Documentos do Concílio Vaticano II sobre a impiedosa luta entre a Igreja e o
mundo, uma luta que nunca terá fim. Ele está, é claro, totalmente qualificado
para indagar-se sobre a estranha desproporcionalidade entre esta luta
gigantesca e sua breve menção naqueles documentos.
Ele deve estar pronto para
reconhecer as oportunidades de pesquisa Católica em seu próprio campo. O caso
de Pierre Duhem (1861-1916) permanece o mais instrutivo. Ele não sonhou com o
que eventualmente estava prestes a descobrir quando começou a procurar a origem
histórica do princípio das velocidades virtuais, pedra angular da ciência do
movimento. Não tencionava senão mostrar-nos que historicamente a Física consistia
tão-somente na economia sistemática dos dados, medições, e, portanto,
permanecia inepta para comunicar-nos qualquer coisa acerca do estatuto
ontológico, muito menos metafísico do real.
Isto não sugere que uma vasta
elucidação deste ponto não contivesse uma grande visão libertadora - a
expectativa de eliminação, de uma vez por todas, do espectro do cientificismo.
Mas quando Duhem descobriu que fôra na Sorbonne medieval que a prima alusão ao
princípio foi concebida, ele não hesitou em colocar tudo de lado. O resultado
foi a descrição, numa dúzia de grandes volumes, da origem Cristã medieval da
ciência Newtoniana.
O próprio Duhem, um ferrenho e
devoto Católico, desde a infância, deu-nos um inestimável relato de sua
odisséia intelectual em seu ensaio, "A física de um crente", que
deveria ser leitura obrigatória para todos os intelectuais Católicos, cientistas
ou não. Talvez a leitura meditativa sobre aquele ensaio lhes dê a inspiração
para colocar uma grande quantidade de coisas de lado quando uma mesma
oportunidade, remotamente similar, se lhes surja diante dos olhos minuciosos.
Mencionei Duhem em parte porque
no trabalho de sua vida encontrei, combinando o dever de um físico, de um
historiador e filósofo da ciência e de um artista, uma verdade e uma inspiração
Católicas em mais de um sentido. Certamente inspiradora é sua resolução de não
ser desencorajado pelo sistemático desdém que lhe votou a academia secular,
durante e depois de sua vida. Ele a conservou, obtendo enorme satisfação ao
receber a notícia sobre o conforto intelectual que estudantes e pessoas das
universidades Católicas encontraram em seus escritos.
O fato de que alguns leitores
não-Católicos de minha "A Relevância da Física" e das minhas
"Leituras de Gifford", "A Via da Ciência" e os
"Caminhos para Deus", encontrarem neles um grande estímulo para se
converteram à Igreja Católica, continua a ser para mim muito mais precioso do
que alguns prêmios de prestígio. Não que qualquer desses livros fossem de
apologética em qualquer sentido. Eles eram meros apelos, como qualquer esforço
intelectual deve ser, em nome da verdade.
Pois, se um intelectual Católico
vexa-se ao fazer apologética nesse sentido, ele trai tanto sua inteligência
quanto seu Catolicismo. Ele também rompe com sua ligação à longa cadeia de
intelectuais Católicos, que começa com Justino Mártir, autor de duas Apologias
que lhe custaram a vida. O próximo grande elo dessa cadeia foi a "Cidade
de Deus" de S. Agostinho, uma aguerrida apologia em favor da cultura
Cristã entregue, pois, à Igreja Católica. Ainda um outro grande elo dessa
corrente foi a "Suma contra os Gentios" de S. Tomás de Aquino.
Certamente, estes dois últimos trabalharam, outrossim, em muitos outros temas,
incluindo a pura teologia Católica, mas eles consideravam a apologética parte
essencial da sua missão Católica.
E o que dizer de Newman? Ele é,
inda hoje, amiúde alardeado como o teólogo do Concílio Vaticano II. Esta é uma
etiqueta realmente estranha, ao menos por uma razão: Newman freqüentemente
ressaltava que não era um teólogo, mas, horribile dictu, um polemista! Em
verdade, disse também que jamais perderia a oportunidade duma boa batalha!
Sempre gentil com as pessoas, poderia ser cruelmente incisivo quando se tratava
de princípios fundamentais. Não era um campeão da brandura
"ecumênica" - moderno expediente com que prevenimos a que qualquer
pessoa nos pareça um simples idiota, senão um anódino vilão intelectual.
Logo após sua conversão, Newman
deixou claro que ele não queria mais perder tempo com essa miragem do
Catolicismo, a Igreja Anglicana. Antes, no pináculo de sua vida, fez do combate
ao pragmatismo agnóstico da moderna sociedade educada sua mais definitiva
ambição. Sua Apologia era uma apologética pessoal. Sua "Grammar of
Assent" inda permanece um egrégio tratado acerca de alguns temas
epistemológicos elementares de que se deve curar para uma exposição efetiva da
doutrina católica, na verdade, da Igreja Católica, para a mente moderna. Jamais
olvidemos que a "Grammar of Assent" chega ao fim com um apelo em nome
da Igreja Católica histórica, que para Newman foi a Igreja de Roma.
Esta Igreja era para ele o único
meio com que se podia compreender o episódio da Encarnação do qual dizia que
era, entre todos os dogmas, o mais difícil de aceitar. Entretanto, uma vez
consagrados a esse dogma, quintessência do sobrenatural, não faz sentido, argüia
Newman, repelir a manifestação concreta do sobrenatural tal como se encontra na
Igreja Católica. Eis, pois, o porquê sempre aceitou, aí, com entusiasmo,
milagres atuais. Indubitavelmente ouviu rumores sobre o milagre do sol em
Fátima, no termos da observação de Paul Claudel de que Fátima significou uma
"colossal intervenção do sobrenatural no mundo natural." (8)
Sob pretexto algum atenuaria
Newman esse milagre, nem quaisquer outros, receando parecer
"retrógrado" aos catedráticos de Oxford e seus equivalentes da
Sorbonne, de Harvard, de Tübingen e de outros lugares. Pois sabia que,
independentemente de seu refinamento intelectual, eles também faziam parte de
um mundo tragicamente decaído. Os Intelectuais Católicos, muitos dos quais
tornaram-se presas do falso otimismo duma tendência decisiva, ascendente, em
direção a um ponto Omega mítico, fariam bem em meditar sobre "dicta"
de Newman acerca do pecado original, que, de sua parte, algo dizia, embora
"obiter dicta". Ele pronunciou aquelas "dicta" contra o
pano de fundo de uma sociedade nominalmente Cristã para a qual o verdadeiro
santo era o cavalheiro polido.
Se quer hoje o intelectual
Católico um ordálio, é este o ordálio de Newman, que nunca se furtou ao desafio
do que é verdadeiramente sobrenatural. E segue provocando, portanto, tal nenhum
outro moderno intelectual Católico, os que julgam que por lidar com os desafios
naturais, estão à altura dos desafios de uma revelação sobrenatural dada
concretamente na Igreja Católica em sua plenitude. Muita alusão ao conteúdo de
meu livro, "O Desafio de Newman" (9), uma coleção de doze ensaios
meus publicados ao longo dos últimos dez anos sobre os vários aspectos do
pensamento de Newman que lhe eram caros, embora, infelizmente, irrisórios para
nós.
Finalmente, a todos nós,
intelectuais Católicos, ávidos por indagar dos princípios do conhecimento e das
noções elementares (e freqüentemente julgando que é inda possível descobrir a
pedra filosofal) deve jamais esquecer-nos as sábias observações de Pascal:
"Todos os bons princípios já foram ditos. O que resta é colocá-los em
prática."(10) Prática significa realidade. No que se refere à prática do
Catolicismo como uma proposição intelectual, deve iniciar-se a partir dessa
realidade, extremamente estrita em muitos aspectos, na qual estava o próprio Cristo
em sua realidade galiléia. É por isso que ninguém no mundo dos sábios lhe deu
qualquer importância enquanto viveu, ou mesmo depois. De qualquer forma,
rir-se-iam dele, como riu Domiciano quando alguns camponeses da Galiléia,
parentes de Jesus, foram conduzidos a sua presença em Roma. Pareciam-lhe
claramente como a encarnação do mais crasso atraso.
Isso ilustra o supremo paradoxo
do catolicismo. Na proporção em que está verdadeiramente relacionado com Cristo
ele permanece incrivelmente específico, singular. Mas assim é qualquer entidade
real e verdadeira, diferente das especiosas fábulas da imaginação;
"católica" como pode parecer a muitos intelectos paroquiais que se
orgulham de ser "católicos". O Verdadeiro Intelecto católico para
sempre encontrará o timbre da verdade de que "católico" exige,
reclama "Católico" como sua única garantia e justificação.
Stanley L. Jaki é sacerdote
beneditino húngaro
vencedor do Prêmio Templeton, 1987.
Notas
1 A. Froude, The History of England from the Fall of Wolsey to the Defeat of the Spanish Armada (1856-1870), vol.VII, p. 174. Esta obra monumental, estabeleceu Froude como um dos principais prosadores ingleses, alentando enormemente os preconceitos intelectuais contra a Igreja Católica. Daí o valor especial do testemunho de Froude.
2 Tyrell (1861-1909), um convertido ao catolicismo e, posteriormente, um jesuíta, foi excomungado quando rejeitou a condenação que Pio X emitiu contra o modernismo em 1907.
3 Arcebispo Pilarczyk, citado no The New York Times, 21 de setembro de 1987, p. 1 col.2.
4 Citado em The New York Times, em 15 de setembro de 1998.
5 A. Harnack, History of Dogma,
tr.EB Spears and J. Millar (London: Williams and Norgate, 1898), vol. IV,
p. 43.
6 Prefácio à terceira edição, § 2, 10, ou p.XL na standard Longmans
edition das Obras Completas.
7 Cartas e Diários, vol. 27, p.283. Carta de 21 de Abril de 1875.
8 The opening words of Claudel’s
introduction to Méditations sur les révélations da Fatima by Ch. Olmi
(Le Puys: Mappus, 1944).Newman surpreender-se-i ao descobrir que uma leitura
atenta dos relatos de testemunhas do "milagre do sol" resultou na
conclusão de um milagre meteorológico colossal. Veja o meu livro, God and the
Sun at Fatima (Deus e o Sol em Fátima) (Royal Oak, MI: Real View Books, 1998),
381pp.
9 Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000 viii + 323pp.
10 Pascal, Pensées.
Este artigo foi publicado originalmente na revista Catholic Dossier edição de janeiro / fevereiro de 2000 pp. 8-16
O texto em inglês pode ser lido clicando aqui
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