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3 reclamações comuns na pós-graduação


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Este post trata sobre os estudantes de Mestrado/Doutorado que recebem bolsas para estudar.


Eu ouço muita gente reclamar (na internet, principalmente) da vida de estudante de Mestrado ou Doutorado. Talvez eu seja muito positivo/otimista/ingênuo às vezes, mas simplesmente não
entendo do que tanto reclamam…É claro que todos temos dúvidas quanto ao futuro, quanto às escolhas profissionais que fazemos—isso certamente não ocorre apenas na vida acadêmica. O que me incomoda não é apenas ver a reclamação de muitas pessoas, mas ver um certo “autoflagelamento”
ensaiado—sim, porque tem gente que adora ser um mártir da sua própria vida importante e ocupada.
Vou enumerar algumas razões que sugerem  que a vida acadêmica não é tão ruim assim; também vou tentar argumentar que boa parte das reclamações não faz muito sentido no mundo em que
vivemos. As razões podem ser resumidas desta forma:
Sendo um *estudante* de Mestrado/Doutorado:

1. Você ganha para evoluir em todos os sentidos, principalmente intelectual e cultural.
2. Você viaja a congressos, conhece pessoas interessantes.
3. Você é reconhecido, e sente que está construindo o seu currículo a cada semestre.
4. O status social é excelente em países mais desenvolvidos (mas até em países menos desenvolvidos é interessante ser professor/pesquisador universitário).

5. O salário de professor universitário é bom—excelente, principalmente se pensarmos nas condições de trabalho.

Vamos partir do seguinte princípio simples: tudo que agrega valor ao seu currículo tem um preço.
Além disso, tudo aquilo que resultará em retorno financeiro também tem um custo, certo? Se você quer ser médico, pagará por isso—e depois receberá a “parte boa”. Se você quer estudar uma língua, provavelmente pagará por isso também… Cursos mais tradicionais são mais caros, porque
nomes mais importantes agregam mais valor.
Reclamação 1: “Mas a bolsa é muito baixa!”

Em um mundo ideal, eu concordaria. Aliás, o valor da bolsa é relativo ao custo de vida da cidade onde você mora: uma bolsa x em São Paulo certamente vale menos do que a mesma bolsa no interior do Rio Grande do Sul. O valor também varia muito de país para país.
No mundo em que vivemos, contudo, quase todas as pessoas gastam (e muito) com a sua formação ou com seu preparo profissional. Muitas pessoas gastam centenas de milhares de reais para estudar sem sequer saber se no fim o retorno ocorrerá de fato—a menos que você estude em uma universidade pública, claro. Acho que há um certo despreparo na hora de planejar um gasto tão grande, mas este assunto fica para outro post.
Quem faz um Mestrado/Doutorado com bolsa está ganhando para melhorar o próprio currículo. Ou seja: você ganha por fazer algo que traz benefícios a você.
Compare isso com trabalhar no setor privado: você recebe um salário, tem benefícios variados, mas o principal motivo para a sua contratação foi o benefício da empresa, que precisava de (mais) um empregado para atingir certo objetivo. Poucas empresas contratam alguém simplesmente para que essa pessoa aprenda algo e, depois, a deixam ir embora.
Reclamar de bolsa, portanto, é quase uma falta de respeito com outras pessoas. Além disso, dependendo da instituição (e da sua pesquisa), você consegue receber auxílios para ir a congressos nacionais e/ou internacionais: novamente, você ganha para crescer pessoal e profissionalmente.
Reclamação 2: “Mas eu passo o dia estudando!”

Em primeiro lugar, isso provavelmente não é verdade. Certamente há muitos dias em que você passa 10h a fio trabalhando, lendo, escrevendo. Mas também há dias em que você não faz absolutamente nada, porque há semanas em que o “ritmo” simplesmente baixou, e sua produtividade varia bastante—não é por nada que o verbo “procrastinar” é tão temido neste meio. Além disso, há períodos de prova, congressos etc., mas também há períodos sem nada disso. Talvez você seja uma exceção, e estude incessantemente…
Em segundo lugar, se você escolheu estar no Mestrado ou Doutorado, é porque você gosta de estudar (e muito). Logo, você passa dias fazendo o que GOSTA. Se você não gosta de estudar, saia da vida acadêmica.
Em terceiro lugar, muitas pessoas invejariam o dia-a-dia de um estudante de Mestrado/Doutorado. Há uma boa liberdade de horários, e acordar cedo é algo que muitos de nós não precisam fazer em boa parte dos dias (isso varia). Também há “intervalos” durante a semana, em que você pode usar para trabalhar, sim, mas também para ir no cinema. Se você não consegue ter nenhum lazer durante o ano inteiro, você deve ser uma exceção. A verdade é que a vida acadêmica é, sim, muito intensa, mas se você for disciplinado e organizado, certamente terá uma qualidade de vida invejável, podendo ir ao parque no meio da tarde às vezes; ou simplesmente decidir passar a tarde fazendo nada.
Reclamação 3: “Mas e se depois não achar emprego?”

Eu não conheço quase nenhuma profissão em que você tenha 100% de certeza sobre seu futuro. Cada vez mais pessoas se formam em universidades, e obviamente não há como absorver tanta gente. Ou seja: grande parte das pessoas sente insegurança quanto ao futuro… então, essa reclamação é redundante neste planeta.
Se você não achar emprego, veja desta forma: terá um Doutorado, não estará devendo nenhum centavo, e ainda saberá que gastou muito pouco com isso (ok, comida, livros…). A coisa poderia ser muito pior, convenhamos. Tendo uma formação sólida, você dificilmente ficará desempregado—talvez não encontre emprego na sua área, mas certamente haverá lugar para o seu conhecimento técnico/científico. Existe uma falta imensa de pessoas que saibam pensar de verdade, e tenho certeza que não será difícil achar algum espaço.
Além disso, depois de passar 4-5 anos pensando em problemas bem complexos, ter de trabalhar com problemas mais triviais será fácil.O ponto crucial é: atualmente, muitas pessoas que se formam na graduação já começam suas carreiras no vermelho(vide EUA), porque precisaram pagar para estudar (a menos que vocêtenha pais ricos, é claro). Se você passou a vida em uma federal e,agora, ganha bolsa no Mestrado/Doutorado, o seu pior cenário é sair empatado—porém, com uma grande vantagem educacional/pessoal/cultural/intelectual se comparado a outras pessoas.
Se você apenas quer um salário alto agora, certamente não é uma boa ideia entrar no mundo acadêmico. Quem quer fazer um Mestrado/Doutorado geralmente não quer apenas um salário alto. Se assim fosse, bastaria fazer um concurso público (cujo conteúdo é bastante mais simples do que o de um Mestrado, em média)—pode demorar um pouco, mas eventualmente você passa em algum.
Os professores que conheço por aqui são apaixonados pelo que fazem. Pesquisam problemas e tentam achar respostas, e sentem prazer nisso. É uma profissão em que grande parte das pessoas de fato gosta muito do que faz. Muitos dos meus professores andam de bicicleta quando não há neve, e não aparentam ter nenhum grande luxo—por opção. Por outro lado, são pessoas que vivem viajando, que têm o conforto de que precisam, que aproveitam uma qualidade de vida excepcional. O estilo de vida acadêmico é diferente, e isso é uma das coisas que me chamam a atenção.
É claro que nem todo estudante de  Mestrado/Doutorado ganha bolsa, e a grande maioria não recebe auxílio  para viagens ao exterior (isso sempre depende do “tamanho” da  instituição, e de seu conceito). De qualquer forma, este post é para  estudantes que estão em universidades federais e que recebem, sim, bolsa para estudar—há muitos.


Sobre o Autor:

Bacharel em Letras (UFRGS) e Mestre em Linguística (UFRGS). Imigrou para
o Canadá em 2012, onde atualmente faz seu PhD em Linguística (McGill
University). No Brasil, foi professor de língua inglesa por 10 anos e
Tradutor Juramentado.



fonte: 3 reclamações comuns na pós-graduação



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