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Concentração perdida com uso de tecnologia pode ser recuperada


Paula Adamo Idoeta - BBC



Reprogramar o cérebro



Você já se distraiu de uma tarefa para checar seu perfil nas redes
sociais? Ou perdeu uma conversa na mesa do restaurante porque estava
respondendo mensagens no smartphone?



Para Larry Rosen, professor da Universidade Estadual da Califórnia e pesquisador da chamada "psicologia da tecnologia", você não está sozinho.



Segundo ele, a capacidade média de concentração dos participantes de
suas pesquisas fica entre 3 e 5 minutos. Depois disso, eles se distraem,
sem conseguir terminar seus estudos ou trabalhos.



O problema tende a se acentuar à medida que nos tornamos cada
vez mais inseparáveis de tablets e smartphones - e as consequências
podem ser ruins para nossa capacidade de ler, aprender e executar tarefas.



"Se ficamos trocando de tarefa, nunca passamos tempo o bastante para
nos aprofundarmos em nenhuma delas. Três minutos certamente não bastam
para estudar", disse.



Nessa entrevista, ele sugere técnicas simples para "reprogramar" o cérebro a reconquistar essa habilidade de prestar atenção.



E, no caso de adolescentes, não adianta vetar a tecnologia - mas sim estimulá-la em horas certas. Confira:



Nossa capacidade de concentração está diminuindo?



Larry Rosen - Certamente está cada vez menor, e em diversos níveis.
Pesquisas mostram que nossa concentração média é de 3 a 5 minutos antes
que acabemos nos distraindo, no estudo ou no trabalho. A maioria dessas
distrações são tecnológicas - alertas de mensagem, e-mails etc.



Culturalmente, seguimos essa tendência. Até TV mudou. Em programas de
TV dos anos 1980 e 1990, o tempo de cada cena era muito maior do que é
nos programas atuais, que se adaptaram à nossa atenção mais curta.
Revistas também fazem reportagens cada vez mais curtas.



Concentração perdida com uso de tecnologia pode ser recuperada
"Entrar em alfa" é uma expressão bem conhecida, mas com um efeito mais profundo do que se supunha: as ondas alfa fecham o cérebro contra distrações. [Imagem: Meditations-uk]
Isso é um problema?



Rosen - Se ficamos trocando de tarefa, nunca passamos tempo o
bastante para nos aprofundarmos em nenhuma, e tudo fica superficial.
Três minutos certamente não bastam para estudar, por exemplo.



O segundo problema é que, terminada a distração, não voltamos
imediatamente à tarefa que interrompemos. Precisamos de um tempo para
lembrar onde estávamos. No caso de um livro, temos de reler alguns
parágrafos, realocar nosso cérebro.



Em uma pesquisa com estudantes universitários, tiramos seus
telefones, os dividimos em três grupos - de uso leve, moderado e extremo
- e medimos sua ansiedade.



Os usuários leves tiveram pouca alteração em seus níveis de
ansiedade; os moderados rapidamente ficaram ansiosos, até que esses
níveis caíram. Mas as pessoas que usavam muito seus smartphones ficavam
mais e mais ansiosas. E neste último grupo estavam justamente as
crianças e os jovens adultos. Temos de ensiná-los a evitar essa
ansiedade.



Será um reflexo disso o fato de as pessoas lerem pouco ou não terminarem muitas leituras?



Rosen - Muitas pessoas já não conseguem mais ler integralmente, elas
passam o olho. Percebo isso como professor: ao mandar um e-mail aos
alunos, que respondem com dúvidas. Mas essas dúvidas estavam respondidas
no e-mail original. Daí eles dizem, 'desculpe, eu só li as primeiras
linhas'.



Tudo fica mais superficial, mas também mais estressante. Quanto mais
trocamos de tarefas, mais damos para o nosso cérebro monitorar.



Alguns estudos mostram que isso afeta o desempenho de estudantes e profissionais. Há exagero?



Rosen - Em outra pesquisa, assisti a estudantes durante seus estudos.
Pedíamos que eles estudassem matérias importantes, para ver como se
concentravam. E vimos que eles só conseguiam manter sua atenção por uma
média de 3 minutos.



O interessante é que os que conseguiam se concentrar mais tinham
notas melhores na escola, e não apenas naquela matéria que estavam
estudando. Ou seja, se concentrar melhora o desempenho, na escola, no
trabalho e até nos relacionamentos pessoais. Larry Rosen



Como recuperamos esse poder de concentração?



Rosen - É possível aprender técnicas simples para aumentar a capacidade de focar e não se distrair.



Imaginemos, por exemplo, a hora do jantar de uma família comum. Hoje
em dia, todos jantam tendo seus celulares consigo. A sugestão é, no
início do jantar, que todos possam checar seus celulares por um ou dois
minutos. Mas depois têm de silenciá-los e virar seu visor para baixo,
para não ver as mensagens chegando.



Após 15 minutos marcados no relógio, todos recebem permissão para
checar o telefone novamente, por um minuto. À medida que a família se
acostuma com isso, aumenta-se gradualmente esse período de 15 para 20 e
30 minutos.




E assim cria-se tempo para conversas familiares ininterruptas por 30
minutos, seguido de um minuto para checar o celular. É uma forma de
treinar o cérebro a não se distrair, e isso é essencial.



É uma reprogramação do cérebro?



Rosen - Você está reprogramando a parte química envolvida no estresse do seu cérebro.



Porque o que começamos a ver é: se impedimos as pessoas de checarem
seus celulares ou dispositivos tecnológicos, elas ficam ansiosas, (o que
produz) alterações químicas.



Concentração perdida com uso de tecnologia pode ser recuperada
A meditação é eficaz contra défice de atenção e hiperatividade, inclusive para crianças. [Imagem: Vipassana Centre]
É como um vício?



Rosen - O engraçado é que não é um vício - se fosse, teríamos sensação de prazer ao checar nosso celular.



E a maioria não está obtendo prazer, apenas tentando reduzir a
ansiedade e a sensação de não saber se está perdendo algo (na internet
ou nas redes sociais).



O que podem fazer os professores que querem recuperar a atenção de seus alunos?



Rosen - Em geral, eles terão de usar a própria tecnologia, seja
permitindo que os alunos usem seus próprios dispositivos ou trazendo
dispositivos à aula.



Por exemplo, com vídeos curtos, que costumam atrair os estudantes.
Aqui nos EUA, algumas escolas particulares também têm usado mais
tecnologias, como iPads e Apple TV, na sala de aula. Isso certamente
torna a educação mais atraente.



Em escolas que proíbem os aparelhos móveis, os estudantes os levam
escondidos e ficam trocando mensagens debaixo da carteira. É melhor,
então, que os professores os deixem checar em determinados momentos -
por exemplo, a cada meia hora por um ou dois minutos.



Se você veta o uso da tecnologia, os estudantes vão ficar o tempo
todo pensando no que estão deixando de ver (no celular), nos comentários
que a sua foto no Instagram estará recebendo. E, assim, não vão prestar
atenção na aula de qualquer maneira.



Você vê alguma vantagem no fato de estarmos fazendo diversas tarefas ao mesmo tempo?



Rosen - Em geral, não - a tentativa de fazer muita coisa junta
impacta seus relacionamentos. Se você tenta falar com seu marido ou
mulher à noite e cada um está vidrado em seu celular, que conversa vai
ter?



Se você está com seus amigos num restaurante, mas fica no celular, que interação fará com eles?



E fico pensando como será quando as pessoas começarem a usar o Google
Glass - você vai achar que (seu amigo) está olhando para você, mas ele
estará, na verdade, olhando para o que estiver aparecendo nos óculos.



Mas tem gente que pode ter um desempenho melhor nesse novo ambiente de estímulo constante?



Rosen - Pesquisas mostram que uma parcela bem pequena das pessoas é
capaz de funcionar bem nesse tipo de ambiente. Não vi pesquisas de longo
prazo a respeito disso, mas imagino que isso seja algo estressante. E
no longo prazo isso não é bom para o corpo.



As pessoas conseguem definir regras para si mesmas, limitando o próprio uso da tecnologia?



Rosen - Eu costumava enlouquecer com meu feed no Twitter, até decidir checá-lo uma vez só por dia.



Uma das regras que recomendo é: tire seu celular ou notebook do
quarto uma hora antes de ir dormir e não se permita checá-los até o dia
seguinte.



Hoje, nossos estudos mostram que a maioria dos adolescentes e jovens
adultos dorme ao lado dos seus telefones e acorda no meio da noite para
checá-los. Isso é péssimo para o seu cérebro, que precisa de blocos
longos e consistentes de sono. E também prejudica o aprendizado.




Acho que isso ainda vai piorar, até que as pessoas percebam o efeito
negativo sobre sua saúde. E daí começarão a pensar: será que eu
realmente preciso checar meu feed de Twitter 20 vezes por dia? Será que
realmente preciso estar em sete redes sociais diferentes?



Mas no momento estamos tão empolgados com a tecnologia que somos como crianças em uma loja de doces: queremos experimentar tudo.








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